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O sorriso do gato

O inspirado Rubem Alves não gostava de gatos. Dizia não ter afinidade com os bichanos, não confiava neles.

Mudou de ideia depois que a filha lhe deu de presente um gato. Por força das circunstâncias, passaram a conviver. Conta que não demorou muito para ficarem amigos, ele e o gato. A partir de então, passou a contar histórias sobre gatos.

Contava que no Egito dos Faraós, os gatos eram considerados deuses, crença cujos resquícios, perduram até os nossos dias. Mulher bonita, por exemplo, ainda é qualificada como “deusa” ou “gata”.

Um de nome “Oscar”, possuía habilidades médicas. Vivia em uma clínica para pessoas em estado terminal. Diariamente visitava os internos leito por leito. Subia na cama, cheirava o ar e diagnosticava: se o óbito não fosse ocorrer naquele dia, descia e passava para outro leito, repetindo o procedimento. Percebendo a proximidade da morte, aninhava-se junto ao moribundo e a enfermeira de pronto ia avisando os parentes.

Outro de nome “Gulliver” gostava alucinadamente de cenouras. Cenouras, sim. Comida de coelhos. Incomum aos gatos cujo cardápio eram ratos, passarinhos, peixes e insetos. “Gulliver”, ao contrário, gostava mesmo era de cenouras. Hoje, gatos comem rações peletizadas ou enlatadas. Praticidades da vida moderna.

Inusitada, porém, é a história, verídica segundo ele, do gato que sorria. Gato sorridente sabia de um, personagem no livro “Alice no País das Maravilhas”, uma história de ficção. Mas, o gato de que falava era todo sorriso. Uma amiga, com longa experiência e convivência com gatos, disse-lhe que os gatos sorriem com os olhos. Não mostram os dentes como os humanos e nem balançam o rabo como os cachorros. Os gatos sorriem fechando lentamente as pálpebras, até que fique apenas uma pequena fresta.

A amiga do Rubem sabia das coisas. História ou não, gatos sorriem sim e exatamente dessa maneira. Sei, porque conheci um gato que, quando feliz sorria. “Zigudo”, seu nome, era um cara, ou melhor, um gato especial. Único, diferente até no nome. Não perguntem o significado, porque não sei e tampouco imagino. Tão especial era esse gato que a sua dona, se é que gatos tem donos, tatuou a imagem dele no antebraço, não recordo, se no esquerdo ou direito.

“Zigudo” era um belo animal, pelagem branca, cauda preta, formava uma figura solene. Independente, como todo felino, era muito inteligente. Garboso, tinha porte de fidalgo.

Convivemos pouco tempo, mas suficiente para identificarmos afetos e prefeêencias comuns. Não esqueço, uma noite fria no inverno, em que Zigudo e eu, na proximidade da lareira, conversávamos na linguagem do silêncio. Seguidamente, ia fechando as pálpebras até ficar uma pequena fresta, Zigudo sorria. E eu retribuía, sorrindo também, cada qual ao seu jeito, curtindo prazerosamente aqueles preciosos momentos.

Inesquecíveis recordações …

Itapoá (outono), abril de 2018.

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