Correio do Litoral
Notícias do Litoral do Paraná

 Resenha do livro “Aves: Ilha do Mel”

Acabei de receber de presente o recém-lançado livro “Aves: Ilha do Mel” (Debiazio & Zambrin,2018). É o resultado de um levantamento intensivo das aves da Ilha do Mel, feito por um casal de residentes a partir de 2008. Vivendo dentro da sua área de pesquisa, Roseli & Walter puderam observar da própria varanda, o vai-e-vem das aves ao longo do ano. Mas andaram bastante pela Ilha também, a pé ou de bicicleta e obtiveram um resultado impressionante: conseguiram fotografar 164 espécies de aves!

No livro, todas estas espécies são mostradas em fotos originais. Além disso, para cada espécie é fornecido um pequeno comentário pessoal dos autores e esta última parte é exatamente a melhor da obra, pois não estamos outra vez sendo aborrecidos com descrições enfadonhas. Quem necessita descrições técnicas pode simplesmente acessa-las usando o celular, no excelente site “Wikiaves”.

Infelizmente, as fotografias, que formam a essência deste livro, não são boas. Na maioria das imagens, a ave está desfocada, parcialmente ou inteiramente e o seu entorno, sempre fora do foco, ocupa espaço demais. No Wikiaves se encontra fotos muito melhores!

As duas fotos mais notáveis incluídas no livro não são dos autores, mas foram contribuições de outros moradores da ilha: (a) aquela do urutau, talvez a única foto boa no livro, foi obtida com um celular; e (b) aquela do mocho-diabo (Asio stygius), a foto mais interessante do livro, mostra essa ave em pleno dia, alimentando-se da sua caça: uma garça-azul imatura. Este sim é um registro impressionante!

Na parte principal do livro, onde as espécies são mostradas e comentadas (p. 26-203), elas são tratadas apenas com o nome vulgar! Para os nomes vulgares, os autores seguiram a última lista do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO), publicado por Piacentini et al. (2015). Acontece que os nomes vulgares propostas pelo CBRO ao longo dos anos passaram por tantas mudanças, até chegar à esta versão “definitiva”, que até o editor de Wikiaves (pessoa competente e trabalhadora) desistiu da tarefa de introduzir no site as últimas mudanças. Assim, para Nyctibius griseus foi mantido no Wikiaves o nome “mão-da-lua”, pois assim constava em CBRO, 2014. Em Piacentini et al. (2015) esta espécie consta como “urutau”. Temos também o caso dos dois pássaros pretos muito comuns e conhecidas: Gnorimopsar chopi e Molothros bonariensis. Veja que beleza de uniformidade:

G. chopi: pássaro-preto ou graúna (Frisch, 1981; Sigrist, 2009); melro ou graúna (Sick, 1997); graúna (CBRO, 2014); pássaro-preto (Piacentini et al., 2015).

M. bonariensis: chopim (Frisch, 1981); chopim ou gaudério ou maria-preta (Sick, 1997); vira-bosta (Sigrist, 2009; CBRO, 2014); chupim (Piacentini et al., 2015).

Eu, que estudo as aves paranaenses há 35 anos, perdi a noção do status atual de um dado nome popular. Usando o livro “Aves : Ilha do Mel”, cada vez que tenho dúvida sobre a identidade de alguma espécie precariamente fotografada, tenho de gastar tempo em consultar a lista nas páginas 216-221, pois lá é fornecido o nome científico.

As espécies observadas na Ilha do Mel pelos autores, mas sem registro fotográfico, ou aqueles somente registrados na ilha por terceiros, são listadas na base da página 208, novamente apenas com o nome vulgar. Destas espécies, em lugar algum do livro é fornecido o nome científico. Aliás, naquela listinha foi esquecida a suindara (Tyto furcata), que eu encontrei na Ilha em 08/06/1986 (filhotes, num farol abandonado), conforme relatei (Meijer 1986, 2017).

Na parte principal do livro, as aves são apresentadas em ordem alfabética do nome científico da família! Assim, para poder usar este livro, o leigo tem de saber reconhecer uma ave em nível da família e saber o nome científico desta família! Esta busca se torna até complicada para um ornitólogo experiente, pois nas últimas décadas muitas famílias passaram por mudanças. Para dar apenas um exemplo: o conhecidíssimo tico-tico (Zonotrichia capensis) passou da Fringillidae (Frisch, 1981) através da Emberizidae (Sick, 2009) para a Passerellidae (Piacentini et al., 2015). A estranha prática de colocar as espécies em ordem alfabética da família tem como consequência que neste livro o pardal (p. 105) é vizinho do biguá (p. 106), dando só um exemplo. Os passeriformes e os não-passeriformes se misturam à vontade nesta obra.

A mais lógica prática teria sido seguir a sequência sistemática, como se faz nos guias de campo. Deveria ter sido seguido a ordem de Piacentini et al. (2015).

De algumas identificações neste livro teria sido necessário mencionar quem se responsabiliza por ela.

O sabiá fotografado no quintal dos autores em 05/07/2014 é apresentado como “único registro para o litoral paranaense” do sabiá-ferreiro! Quando o sabiá-ferreiro (Turdus subalaris) canta, ele é inconfundível. Mas, acontece que os autores não ouviram este canto, pois o único registro foi feito no inverno, quando os sabiás não cantam. Se foi de fato um sabiá-ferreiro, seria uma fêmea, pois o animal na foto tem o anel periocular amarelo muito estreito. Mas pode se tratar também de uma fêmea do sabiá-poca (T. amaurochalinus), inclusive parece ser vagamente percebível na foto (de péssima qualidade) a presença do loro escuro que caracterizaria a última espécie. Não se vê na foto uma característica importante do sabiá-ferreiro (bem ilustrado em Sigrist, 2009): a zona peitoril branca (chamado de “crescent” no inglês) que separa a garganta rajada do peito cinzento escuro.

O livro não traz referência alguma a publicações anteriores sobre a avifauna da Ilha do Mel, o que afeta muito a utilidade deste livro. Por exemplo, no texto sobre a lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta) é mencionado que os autores registraram a espécie na ilha desde 2012, mas é omitida a informação que a espécie chegou ali alguns anos antes. Na minha carta “Entrando na onda”, cuja conteúdo é conhecido pelos autores (Roseli Debiazio, in litt. para André de Meijer de 06/03/2017), divulguei a data do primeiro registro desta espécie na Ilha do Mel: 25/05/2007. Naquele mesmo texto, posteriormente inserido no meu livro “Cartas da Mata Atlântica” (Meijer 2017), listei todas as publicações contendo informações sobre as aves desta ilha.

Outro exemplo do mesmo tipo: os autores nos informam do ano em que o pardal – espécie procedente do Velho Mundo -, foi introduzido no Brasil, mas não dizem quando a espécie chegou na Ilha do Mel. Na carta “Entrando na onda” mencionei que isto deve ter acontecido em alguma data entre 1986 e 1989.      

Nas páginas 210 e 211, sob o cabeçalho “Cores e Perfumes”, são mostradas três espécies de borboletas e cinco espécies de plantas da ilha, sem que sejam fornecidos seus nomes. Porque omitir informações que teria sido fácil conseguir!

As borboletas são Morpho helenor, Hamadryas amphinome e Philaethria wernickei e as flores pertencem a Ipomoea pes-caprae (duas fotos), Talipariti pernambucense (duas fotos), Epidendrum fulgens e Schwartzia brasiliensis. Aliás, nem todas essas flores são “perfumadas”.

Mesmo tendo examinado o livro apenas superficialmente, encontrei vários erros…

Pág. Onde se lê leia-se
208 Espécies sedentárias Espécies residentes
212 tabanidae Tabanidae
214 Pirizal: vegetação comum em áreas alagadiças com caule de até um metro, (…) Pirizal: vegetação comum em áreas alagadiças, consistindo de piri, uma ciperácea com talo de até três metros, (…)
215 Vegetação citada Plantas citadas
215 Hibiscus tiliaceus Talipariti pernambucense
215 piripiri = Cyperus giganteus piri = Schoenoplectus californicus
224 FRISCH, (…) plantas que se atraem. FRISCH (…) plantas que as atraem.
224 KRUL, Ricardo. Aves Marinhas Costeiras do Paraná. Cap. 2. Itajaí, SC: Editora da UNIVALI. KRUL, Ricardo. 2004. Cap. 2. Aves marinhas costeiras do Paraná. Em: Branco. J.O. (Ed.). Aves marinhas e insulares brasileiras. Itajaí, SC: Editora da UNIVALI, pp. 37-56.
224 NETO, Pedro Scherer. SCHERER NETO, Pedro; STRAUBE, Fernando Costa; CARRANO, Eduardo; URBEN-FILHO, Alberto.

Apesar destas críticas todas, os autores estão de parabéns pelo belo levantamento realizado. Nos textos curtos, que irradiam entusiasmo e paixão, percebe-se que Roseli e Walter fizeram este trabalho com grande prazer. E obtiveram resultados notáveis!

Eles encontraram nas praias da Ilha do Mel duas espécies de maçaricos que eu mesmo ainda não tive a sorte de ver no Paraná: o maçarico-acanelado (C. subruficollis) e o maçarico-de-asa-branca (Tringa semipalmata). São raridades, apesar de haver registros anteriores para o litoral paranaense (Scherer Neto et al., 2011). Aliás, estas duas espécies de maçaricos, e também o maçarico-branco (Calidris alba), não foram incluídas no meu miniguia “Aves estuarinas do Paraná” (Meijer & Disaró, 2018), pois pelo que saiba não há registros delas feitos dentro dos estuários paranaenses.

A partir das fotos apresentados neste livro, não é fácil reconhecer o maçarico-acanelado e o maçarico-de-asa-branca com total segurança. Mesmo assim, creio que as identificações estejam certas. Na foto da primeira (p. 123) dá para ver que as pernas são amarelas e que a parte inferior do corpo (na foto se encontra na sombra) é ligeiramente acanelado. O maçarico-de-asa-branca é facilmente reconhecível pelo padrão de voo, mas o animal na foto (p. 126) está pousado. Mas, julgando a cor das pernas, imagino que também essa identificação é correta.

Muito especial foi o encontro dos autores com um exemplar anilhado do maçarico-branco. Através do anel conseguiram descobrir que aquele animal 3½ meses antes tinha se encontrado em New Jersey, nos Estados Unidos.

Em resumo: o livro comentado aqui não servirá como guia de campo. O visitante da Ilha do Mel que quer identificar as aves ali encontradas será melhor servido com Sigrist (2009) e quem busca ajuda na identificação das aves florestais do litoral paranaense, pode consultar também Straube et al. (2013).

Quem procura livros contendo fotos realmente boas, mostrando aves, e feitas no Paraná, recomendo Fernandes (2003, 2015) e Krause & Straube (2015).

REFERÊNCIAS

CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos). 2014. Listas das Aves do Brasil. Versão 1/1/2014. Disponível em: <http://www.cbro.org.br>.

Debiazio, R. & W. Zambrin. 2018. Aves : Ilha do Mel. JM Livraria Jurídica e Editora, Curitiba. 226 p.

Fernandes, C.R. 2003. Floresta Atlântica: Reserva da Biosfera = Atlantic Rain Forest: Biosphere Reserve. Edição do autor, Curitiba. viii, 299 pp.

Fernandes, C.R. & H. Garcia. 2011. Parque Nacional do Iguaçu : patrimônio natural da humanidade =  Iguassu National Park : natural heritage of humanity. Edição do autor, Curitiba. 256 pp.

Frisch, J.D. 1981. Aves brasileiras. Dalgas-Ecoltec Ecologia Técnica, São Paulo. 342 pp.

Krause, M. & F. Straube. 2015. Aves do Paraná = Birds of Paraná. Underwater Books, Curitiba. 176 pp.

Meijer, A.A.R. de. 1986. A fauna maravilhosa da Estação Ecológica “Ilha do Mel”. Correio de Notícias, Curitiba, agosto 23 (p.12) / agosto 24 (p.19) / agosto 26 (p.15).

Meijer, A.A.R. de. 2017. Cartas da Mata Atlântica: histórias da natureza do litoral paranaense. Vol. I (As cartas), pp. 1-500 pp.; Vol. II (Bibliografia, Apêndices), pp. 1-620. Edição do autor, Guaraqueçaba.

Meijer, A.A.R. de & S.T. Disaró. 2018. Aves estuarinas do Paraná = Estuarine birds of Paraná. Museu de Ciências Naturais (UFPR), Curitiba. 28 p. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/54947/Aves%20Estuarinas%20do%20Parana%20%28digital%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Piacentini, V.Q., A. Aleixo, C.E. Agne, G.N. Mauricio, J.F. Pacheco, G.A. Bravo, G.R.R. Brito, L.N. Naka, F. Olmos, S. Posso, L.F. Silveira, G.S. Betini, E. Carrano, I. Franz, A.C. Lees, L.M. Lima, D. Pioli, F. Schunck, F.R. do Amaral, G. A. Bencke, M. Cohn-Haft, L.FA. Figueiredo, F.C. Straube & E. Cesari. 2015. Annotated checklist of the birds of Brazil by the Brazilian Ornithological Records Committee / Lista comentada das aves do Brasil pelo Comite Brasileiro de Registros Ornitologicos. Revista Brasil. Ornitol. 23: 91-298.

Ridgely, R.S. & G. Tudor. 2009. Field guide to the songbirds of South America: the Passerines. University of Texas Press, Austin. 750 pp.

Scherer-Neto, P., F.C. Straube, E. Carrano & A. Urben-Filho. 2011. Lista das Aves do Paraná: edição comemorativa do “Centenário da Ornitologia do Paraná”. Hori Cadernos Técnicos (Curitiba) 2: 1-130.

Sick, H. 1997. Ornitologia Brasileira (edição revista e ampliada por J.F. Pacheco). Nova Fronteira, Rio de Janeiro. 862 pp., 47 pranchas.

Sigrist, T. 2009. Guia de campo Avis Brasilis – Avifauna Brasileira. Edit. Avis Brasilis, Vinhedo. (Vol. 1. Pranchas e mapas. 476 pp. Vol. 2. Descrição das espécies. 600 pp. Versão bilíngue: Português / Inglês.). Straube, F.C., L.R. Deconto & M.A.V. Vallejos. 2013. Guia do observador de aves: Reserva Natural Salto Morato. Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Curitiba, 155 pp. Em anexo: “Aves-Birds Checklist Reserva Natural Salto Morato”.

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