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A praça Alexandre Mafra é do povo?

Vai ter um coreto? Tem que ter, ora bolas, é a Praça Central

Em tempos de efervescências nas paragens mais distantes, as gentes ficam meio anestesiadas das confusões mais próximas, foco na distração.

É o que eu digo quase todo dia, quando me perguntam por que pouca gente participa de audiências públicas em Guaratuba, indefectivelmente agendadas para não ter quase nada de público.

Pois foi numa quinta-feira dessas, no meio da tarde e quase de supetão, que aconteceu a 1ª audiência pública do CONCURSO PÚBLICO NACIONAL DE ANTEPROJETO PARA O AGENCIAMENTO E PAISAGISMO DA PRAÇA CENTRAL DE GUARATUBA/PR.

Tomei conhecimento dessa iniciativa de nome pomposo pouco mais de um mês atrás, por causa de um ‘bolo’, mas essa é uma história pra outra hora…

E já tendo lido com cuidado a síntese de propostas e o enorme calhamaço de documentos da Revisão do Plano Diretor Municipal, sabia que ia acontecer, mas pensei que iriam esperar pelo menos a aprovação dessa nova legislação; como uma coisa estava atropelando a outra, e sem ser mais chata do que sempre, mesmo com apenas 48 horas de antecedência na convocação, lá fui eu, não sem antes dar uma espiada no site do IAB onde a coisa toda está acontecendo.

Esta é a definição que consta no Concurso.

O objetivo do Concurso é premiar um Anteprojeto visando a requalificação da Praça Central do Município de Guaratuba, que deve incluir: valorização do sítio histórico; novo agenciamento1; nova cobertura vegetal; equipamento urbano; circulação de pedestres e veículos; acessibilidade universal e sustentabilidade ambiental.”

Na síntese da revisão do Plano Diretor, pode-se ler:

2.1.3.1.2 Requalificação do Centro Urbano Tradicional

A revitalização do Centro Urbano tradicional tem como proposta a integração do centro histórico com a orla da baía, a definição e tratamento de pontos para que se transforme em atração turística, com conforto para os pedestres e alta acessibilidade. Portanto propõe-se a conservação integrada do centro histórico, que abrange conservação, restauração, e reabilitação das edificações históricas, com o objetivo de torná-los aptos para novas funções da vida moderna e o aumento da acessibilidade ao atracadouro para embarcações de roteiros turístico, sendo um deles, no futuro, o roteiro de visitação aos sambaquis.

Nas duas formulações vejo uma qualidade e um defeito comuns – a qualidade: a ênfase no significado histórico da Praça Coronel Alexandre Mafra, berço da cidade, com suas tradições e referências para a população e para a atividade de convivência urbana; o defeito: muito palavreado bonito, expressões inteligentes, mas tudo muito genérico, e decidido por muito pouca gente

E essa é a primeira e talvez a mais importante reflexão a ser feita: quem é que está definindo isso? De onde estão saindo essas concepções, determinações, critérios? Com quem isso está sendo de fato debatido?

Nos dois procedimentos, tanto no Concurso da Praça, como na revisão do Plano Diretor, as AUDIÊNCIAS PÚBLICAS são o fator mais importante, essencial e imprescindível: ouvir a população, possibilitar o debate, viabilizar através de consultas efetivas, reais, que se descubra: o que é e o que pode vir a ser a Praça Central de Guaratuba? O que a cidade quer que aconteça ali? O que a cidade quer ser, como queremos viver aqui?

Como, o que e por que fazer? O nosso Marco Zero deve ser uma referência viva e real da história e da atualidade da cidade, que receba a população, as atividades tradicionais, culturais, religiosas, os eventos de pequeno e de grande porte, coordenando tudo isso com o dia a dia do comércio, dos negócios e estabelecimentos que também são históricos, e ao mesmo tempo implantar beleza, criatividade, modernidade, charme e o prazer de passar uma tarde de domingo, ali, com as crianças, os amigos, ou simplesmente podermos imprimir uns cartões postais bem bacaninhas da Praça Central de nossa cidade. Como vamos conquistar isso?

Na verdade, o primeiro texto ali de cima foi elaborado pelos organizadores do concurso, estribados em seus conhecimentos técnicos inegáveis; o segundo, por uma empresa contratada, técnicos de fora da cidade.

Sem querer desqualificar quaisquer dos redatores, pergunto: e nós, os moradores, os nativos, os futuros usuários da Praça, quando seremos ouvidos? Quando falaremos sobre qual praça queremos ou não queremos?

Eu quero um coreto. Coretos são palcos de música, de dança, de nostalgia e quiçá, de resistência às soluções “modernosas” do concreto bruto e canteirinhos encaixotados (que muito me assustam). Recebem bandinhas, corais, roqueiros, serestas e o fandango, cordas e artesãos, gaiteiros e sapatilhas com a mesma generosidade. Facilitam encontros românticos, centralizam quermesses, servem para comícios, para o Outubro Rosa e até para casamentos, do mesmo jeito que acolhem piqueniques familiares e o encontro da turma das bikes. Nele você pode desenhar com seu filho ou tricotar com as amigas. Pode tomar fôlego em dias de sol forte, pode esperar a chuva passar, fazer um lanche no intervalo do trabalho ou ler um livro em paz. Coreto é o coração de mãe das praças.

Teremos um coreto? Não sei, não descobri ainda nem mesmo como fazer alguém ouvir essa minha opinião. Sei que tem os que não vão gostar da ideia: “vai ter um monte de morador de rua dormindo lá toda noite”. Mas isso já tem, o que não tem é o coreto. Eu, particularmente, sou uma aguerrida adepta da teoria do “quem ama, cuida” e não vejo problema algum nisso.

Na audiência realizada, tinha dono de loja local, artesão, moradores poucos. A maioria presente era de possíveis candidatos ao prêmio do concurso – a contratação e a oportunidade de exposição profissional. Isso não é uma crítica, é óbvio que eles precisavam estar lá. O que faltou foi mais público e a conversa mais desabrida sobre o assunto.

Nas consultas do Concurso, até agora, poucas questões sobre o uso da Praça pela população, finalidades, algumas questões sobre a Festa do Divino e a feirinha de artesanato. Da lista de necessidades, destacam-se poucas referências aos “usuários do ano todo”: espaço para jogos (público alvo 3ª idade, ex: xadrez), demanda de eventos, acessibilidade. E só. Francamente, achei um pouco limitado, porque ninguém pode pensar em gastar R$ 750.000,00 de dinheiro público para criar um espaço que vai ser útil só por 10 dias em julho e 40 dias de temporada de verão.

Mas se por um lado a revisão do Plano Diretor está sendo “preparada” há mais de 2 anos, o tal Concurso está indo depressa demais pro meu gosto. E a gente sabe que a pressa é inimiga da refeição e da digestão – nossas experiências anteriores com obras decididas a toque de caixa foram nada boas, aliás, a maioria resultou em quase desastres/fiascos. Vide a Orla “fenomenal”, o Terminal Turístico, a Feira Cultural, a Praça da Paz E dinheiro público gasto sem o real aproveitamento pela população.

Querem ver outra coisa que me incomodou? O julgamento dos (ante-)projetos do concurso será feito por 3 pessoas, já indicadas, que são: a) um profissional do IAB, o cara técnico, ok; b) um representante da empresa contratada para elaborar o novo plano diretor; c) o Secretário Municipal de Urbanismo, o único que mora na cidade. Novamente, não é uma crítica pessoal, mas achei muito restrita a Comissão Julgadora – e por assim dizer, muito “estrangeira”.

E eles vão selecionar os três finalistas em 48 horas – nos dias 18 e 19 de agosto (sexta e sábado), na segunda-feira, dia 21, vão divulgar o resultado, no dia 28 vão premiar os finalistas e assinar o contrato com o vencedor, só depois disso tudo é que vão ser expostos todos os trabalhos concorrentes a população ver, mas aí a coisa já estará resolvida.

Não dava mesmo pra inverter? Deixar o povo ver antes os projetos, votar, opinar, e depois uma Comissão Julgadora um tantinho assim mais ampliada com, pelo menos, mais uns 4 representantes da cidade (gosto mesmo dos 7 votos), considerando os palpites de mais gente, decidir pelos 3 finalistas?

A explicação dada na Audiência foi que a verba federal já estaria depositada na Caixa e como é de uma emenda parlamentar, pelo SICONV 2, haveria risco de perdermos a bufunfa. A explicação não me convenceu, sei que o Sistema admite prorrogação, desde que devidamente justificada, e que a Caixa vai guardar a grana direitinho. Além disso, ninguém falou em adiar a perder de vista, mas abrir pelo menos uma semana, uns 10 dias, não iria matar ninguém de agonia, e tenho certeza que com uma boa divulgação, muita gente ia lá dar um pitaco e ver as opções.

Feitas tais considerações, que são as possíveis no momento, vamos aguardar a próxima AUDIÊNCIA PÚBLICA do Concurso, no próximo dia 4/08 – sexta-feira, às 14h – na Câmara (como sempre, data e horário ingratos e impeditivos de maior participação), e espero que mais gente compareça para dar opiniões e sugestões sobre a revitalização da Praça Central, e onde estarei para pleitear o meu sonhado coreto.

E aguardo, já com ansiedade nível 2, as prometidas AUDIÊNCIAS PÚBLICAS da REVISÃO DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL, cujos temas são muito mais complexos, e dizem respeito ao desenvolvimento futuro e a um projeto de cidade para os próximos 10 anos, sabe, aquela coisa da “GUARATUBA que queremos…” .

Aí eu conto a história do ‘bolo’.

1  Agenciamento = aquele caminho todo bonitinho no qual você percorre numa praça, num parque, num shopping, na entrada de uma residência, e não pense que ele é um elemento aleatório, pois não é: ele tem a finalidade de lhe guiar a um ponto estratégico projetado pelo arquiteto.

2 Sistema de Convênios de repasse de verbas federais, que se organiza pelo Portal de Convênios do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

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