Correio do Litoral
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Dois bicudos não se beijam…

Segunda audiência pública do Concursos do Projeto da Praça Central foi na sexta-feira (4). – foto: Correio do Litoral

Desde o começo do século 19, eram comuns no Nordeste umas facas estreitas, compridas e muito pontudas, chamadas de bicudas, também apelidadas de “lambedeiras” ou “pernambucanas”. Quem usava uma bicuda era chamado de bicudo, termo também empregado para definir alguém zangado, mal-humorado, irritado. Então quando dois bicudos se encontravam, é claro que tudo poderia acontecer menos qualquer demonstração de afeto como um beijo. A expressão acabou se espalhando pelo Brasil inteiro.” 1

Senti-me uma bicuda, portadora de uma “pernambucana” dessas aí que o texto explica. Não queria beijar ninguém, que não sou dada a essas externações de frescuras com gente que nem conheço direito. Mas não era só eu que tinha uma lambedeira na mão. E a ocasião também não era para mesuras, era para debate, ou pelo menos assim se anunciou. Mas, que !!

É que a segunda audiência pública sobre o Concurso Público Nacional de Anteprojeto para o Agenciamento e Paisagismo da Praça Central de Guaratuba que foi realizada no último dia 4 de agosto, na Câmara Municipal, me deixou mal humorada. Nada pessoal, por favor, já vou explicando, a queixa, como de costume, é com os procedimentos, as atitudes, essa prática miserenta de fazer de conta que fez, que eu já estou perdendo a paciência de ver e participar.

Uma audiência que começou com mais gente na “Mesa” que na plateia, com a novidade da papeleta para perguntas por escrito, muito estranha já que na própria estava impresso que os interessados teriam direito “à palavra por 3 minutos” – deviam ter redigido que teríamos direito à caneta.

Também estava escrito que os expositores falariam cada um por 30-40 minutos: o primeiro falou por 2 minutos, o segundo leu o Power Point de novo e bem rápido, sem quaisquer novidades, o que foi um alívio, porque já fizemos isso na primeira audiência. E foi chegando um pouco mais de gente, nesse meio tempo, o que ajudou a não ficar um papelão completo.

(Papelão, explico: uma cidade que tem 8.239 membros em um grupo do Facebook chamado “Boca no Trombone”, onde se reclama de tudo e de todos, não põe 20 pessoas pra discutir sua Praça Central, seu coração físico… mas que vai ter “bocagem” depois, pode apostar).

Mas mesmo assim, mandei duas papeletas devidamente preenchidas, com duas questões que já havia apresentado antes:

a) aumentar a participação de Guaratuba na Comissão Julgadora;

b) assegurar um período – curtinho, uma semana, 10 dias – de exposição pela internet dos projetos concorrentes (que vão ser entregues em arquivos digitalizados) antes da Comissão Julgadora selecionar os vencedores, até se fosse o caso, para uma votação “simbólica” pela população, pelos interessados, claro, como aquelas enquetes que rolam por aí de vez em quando.

Na 1ª resposta, um detalhe formal: o Concurso é um tipo de licitação, e o edital previa a Comissão desse modo, e não foi impugnado no prazo legal. Ok. E mais, que o julgamento seria feito por arquitetos que estão habilitados e qualificados a analisar os critérios técnicos dos anteprojetos conforme especificados no Edital, não seria o caso de ter um médico julgando projetos de arquitetura, ou de ter um advogado julgando projetos de arquitetura…

Vixi, acho que essa foi pro meu fígado, o expositor tá pensando que eu quero participar da Comissão Julgadora, sabe de nada, o inocente…. Fiquei com uma pequena vontade de retrucar, mas passou logo.

Na 2ª resposta: uma pérola: Divulgar os anteprojetos previamente, e fazer essa votação simbólica pode comprometer a imparcialidade da Comissão Julgadora, criar expectativas para os concorrentes, e atrapalhar o processo de seleção. Não com essa síntese, mas era isso.

Aí não deu pra segurar, ignorei a filipeta e pedi a palavra: uma resposta é contraditória com a outra, pois se o julgamento vai ser “técnico”, qual a diferença entre ouvir a opinião da comunidade antes ou depois?

Porque, vamos combinar, é claro que o julgamento será “parcial” – cada jurado vai votar conforme o seu gosto, e conforme o que entende ser adequado. Nessa conversa de imparcialidade eu não caio há muito tempo. Só pra lembrar, em Arquitetura existe o que se denomina partido, que nada tem a ver com as agremiações políticas. O termo também envolve a opinião, no caso, do que deve ser feito ou não em um projeto arquitetônico, a ideia do arquiteto sobre o que fazer quanto ao espaço, aos usuários, à topografia, a paisagem, o que vai privilegiar, o que vai desprezar, o que seleciona de acordo com sua concepção de vida, de arte, com a verba disponível e até mesmo quais limites quer extrapolar ou quais vai respeitar.

Os candidatos arquitetos vão escolher os seus partidos; os jurados arquitetos que também têm seus partidos, vão escolher os partidos adotados pelos candidatos. Portanto, não existe essa conversa mole de “imparcialidade”, viu?

Enfim, depois de um toma lá, dá cá de palpites de todo tipo, ficou claro que não vão mudar nada – nem expor os trabalhos na internet antes do julgamento, só depois, e nem melhorar a participação de Guaratuba na Comissão Julgadora. Nem sei por que me dei ao trabalho, talvez seja força do hábito, essa coisa de participação popular no debate das cidades me empolga desde os idos tempos do movimento estudantil, na Faculdade de Arquitetura da PUC-Campinas, em 1977…

Aí resolvi dizer que queria um coreto, e já expliquei por aqui os motivos, pra quem já me leu antes, estão sabendo e grata pela atenção. E a esposa do Coronel Martins, da qual infelizmente não guardei o prenome, mas me impressionou dizendo que há 48 anos divide seu tempo entre Curitiba e Guaratuba, falou que era ótimo eu dar uma opinião, e disse que também queria umas coisas, mas que não ia contar para não quebrar o sigilo da proposta de sua amiga, que era uma candidata ao concurso. Fiquei frustrada, mas vou esperar até depois do julgamento pra saber se a moça se deu bem e se aquela gentil senhora será contemplada nas suas idéias e sugestões.

Por fim, perguntei ao Secretário Fausto, que estava presente, o que iria ocorrer se a cidade não gostar do projeto vencedor? Pois então, depois de algumas conjecturas e impropriedades jurídicas sobre o resultado da ‘licitação’, ficou claro que vai ser implantado e construído assim mesmo.

Mais uma audiência pública desperdiçada no meu já vasto currículo local, dessa não precisa nem ver a foto pra não repetir a roupa, que desse mato não sai mais coelho.

Guardei a lambedeira, não dei beijinho em ninguém e fui cuidar da vida e do trabalho, que não está dando para cutucar todos os bicudos do lado de lá…

P.S.: Chegando em casa, fui conferir o Edital, que não me lembrava de ter visto nomes ali, e pimba – não tinha mesmo. Tem no item 7.1 2 a quantidade, mas ninguém explica porque esse 2 x 1 (dois arquitetos de Curitiba e só um da cidade), que não vai mudar. Mas ninguém explicou até hoje o 7 x 1 mais tenebroso da nossa história recente, portanto, acho que estou querendo demais…


1 Fonte: https://emdiacomalp.wordpress.com/2008/07/08/dois-bicudos-nao-se-beijam-e-dois-bicudos-nao-se-bicam/

2  7.1 A Comissão Julgadora será composta de 03 (três) arquitetos: 02 (dois) indicados pelo ORGANIZADOR – sendo pelo menos 01 (um) representante de outro Departamento do IAB – e 01 (um) indicado pelo PROMOTOR.

Praça Coronel Alexandre Mafra, anos 1990
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