Conheça um pouco da agricultura urbana de Guaratuba

Uma horta que fornece produtos para um restaurante à beira-mar, outra na casa de um engenheiro de pesca e a terceira no projeto comunitário da prefeitura são exemplos da agricultura urbana de Guaratuba. Quem nos apresenta e explica é a engenheira agrônoma do município Maria Wanda de Alencar.
Leia o artigo e conheça a importância destas experiências:
Agricultura Urbana em Guaratuba
Beleza, saúde e vida semeadas pela cidade
Maria Wanda de Alencar*
Para que as cidades se tornem sustentáveis são necessárias mudanças na forma como vivemos, como nos movimentamos, nos hábitos de consumo, sendo o modo como nos alimentamos, um dos fatores primordiais. O cultivo de hortas urbanas pode apresentar diversas finalidades, podendo ser comercial, educativo, recreativo, paisagístico, bem-estar, terapêutico, segurança alimentar, dentre outros. A produção de alimentos na cidade desperta o interesse e estimula hábitos alimentares mais saudáveis.
É cada vez maior a disseminação de hortas urbanas pelo mundo, no Brasil existem diversas iniciativas como o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana. Em Guaratuba – não poderia ser diferente – há muitas hortas particulares, também, o Programa Municipal Horta Comunitária, portanto, temos terreno fértil para o cultivo.
A procura pelo cultivo de hortas nos espaços urbanos associa-se ao crescimento populacional das cidades e ao aumento cada vez maior de produtos alimentícios, neste aspecto as hortaliças ocupam lugar de destaque por se tratar de alimentos com alto valor nutritivo e dietético, contribuem de maneira positiva para saúde, pois elas agem como alimentos funcionais, sendo aqueles que beneficiam uma ou mais funções orgânicas, colaborando para melhorar o estado de saúde ou reduzir o risco de doenças, são excelentes fontes de vitaminas, sais minerais e substâncias antioxidantes, algumas comprovadamente relacionadas à prevenção de diferentes tipos de câncer.
As hortas urbanas contemplam em si usos múltiplos enquanto:
- Espaços verdes, que descongestionam o ambiente da cidade proporcionado, entre outros benefícios, a melhoria do ambiente natural, permitindo a infiltração da água, a renovação do ar, a reciclagem de resíduos orgânicos (compostagem), representando espaços alternativos mais complementares ao espaço verde tradicional, podendo-se também constituir como jardins agrícolas;
- Espaços de alimentação, onde os habitantes da cidade podem obter de forma simples e rápida os produtos que habitualmente consomem, permitindo o autoabastecimento de produtos frescos;
- Espaços de economia, produção, consumo e comercialização, possibilitando o aumento da renda;
- Espaços de lazer e recreio para os momentos de descontração, convivência e integração social.
- As hortas urbanas contribuem significativamente para o desenvolvimento sustentável, sob os aspectos da justiça social, do desenvolvimento econômico e da proteção ambiental, porém necessita de ser observado alguns perigos decorrentes da urbanização, como a poluição e contaminação dos solos e da água com metais pesados absorvidos pelas plantas, causando risco à saúde humana devido à exposição por meio da alimentação;
Os benefícios das hortas urbanas são incalculáveis para a população, por ser uma atividade socioeducativa, permite a participação de toda a família, principalmente das crianças que já podem ter os seus primeiros aprendizados sobre a importância da agricultura, da alimentação e da natureza. Em geral, o cultivo é orgânico ou com pouca utilização de agroquímicos. Embelezam e potencializam a ocupação de espaços ociosos na cidade, além do uso mais democrático e coletivo dos espaços urbanos, no caso das hortas comunitárias.
Em Guaratuba visitou-se três experiências, cada uma com a sua história peculiar, cheia de trabalho e sonhos.
A primeira delas foi com Rosani Frese, uma simpática e calorosa proprietária, juntamente do esposo, do Restaurante Castelinho, em Guaratuba. Ela afirma que sempre gostou de horta, tem origem no campo, Rio Grande do Sul, passou por Santa Catarina, chegando à Guaratuba. Filha de agricultores, mudou-se para a cidade, porém mantendo a paixão pelo cultivo das plantas, tanto é que , quando não tinha espaço, ela plantava em vasos. Agora é só felicidades, vez que possui um espaço de 360 m2 destinado à horta em frente ao restaurante, cravado por uma flamulante bandeira de Guaratuba. Ela conduz a horta com muita alegria e determinação, o esposo também põe a mão na massa, ou melhor, na estufa, foi ele quem a construiu, além de outros trabalhos.
Na horta há grande diversidade de frutas e hortaliças, como manjericão de variedades diferentes, orégano, salsinha, cheiro verde, abóbora, almeirão, pimentão, pimentas diversas, cebolinha, entre outras. Frutas como morango, mamão, uva, limões, tomates, tudo envolto por uma cerca viva de flores, plantas ornamentais e medicinais.
Ela consorcia diferentes espécies no espaço, o que nos faz pensar nos ambientes naturais, o almeirão fica na estufa, pois ele é o mais empregado como salada no restaurante, as demais espécies são utilizadas na culinária do local, porém em menor quantidade, seja para ornar os pratos, temperá-los ou fazer molhos, e ao final das refeições, alguns clientes, ainda, levam alguma muda para casa, com o intuito de reproduzir, e desta forma, a agricultura urbana vai se multiplicando.
O ambiente é muito agradável, não só para nós, pois, os proprietários “dividem” os morangos com alguns roedores do gênero Cavia (uma espécie de preá), vez que o restaurante, felizmente, está cercado de restinga, é a convivência das espécies e os serviços ecossistêmicos que eles podem nos proporcionar.
No manejo ela associa o conhecimento adquirido, e está sempre atenta às informações e novidades que não utilizem insumos externos (agrotóxicos e fertilizantes). Certo é que a horta demanda muito trabalho, mas Rosani não desanima, adora mexer com a terra, com as plantas e por meio do seu sorriso cativante, semeia alegrias e colhe elogios dos clientes, que se beneficiam destes alimentos e ambiente saudável, para quem passa na rua, é um atrativo turístico a horta do restaurante Castelinho.
A segunda foi com Rodrigo Aguiar, engenheiro de pesca, mestre em recursos pesqueiros e engenharia de pesca. Interessou-se agricultura urbana como uma atividade recreativa e prazerosa, devido à vontade de produzir alimentos saudáveis e frescos para consumir no momento e compartilhar com os amigos, foi num segundo instante, em razão do tamanho que foi se tornando, que ele passou a comercializar cestas orgânicas de hortaliças, às vezes há trocas, por exemplo, hortaliças por ostras. Rodrigo lembra que é uma sensação indescritível pegar os alimentos, prepará-los e consumi-los na hora.
A variedade é grande, em torno de 20 espécies, entre taiobas, pepinos, jilós, berinjelas, tomates, pimentões, pimentas, serralhas, ora-pro-nóbis, ervilhas, abobrinhas, cebolas, alhos, rúculas, melancias, milhos, chuchus, repolhos, plantas medicinais, tudo isso numa área de 300 m2, no coração de Guaratuba.
Quanto ao manejo, ele está descobrindo, baseado nos princípios da agroecologia, na diversidade, no consorciamento, na convivência entre as espécies, utiliza-se dos restos de alimentos na compostagem e produção de húmus para adubação na própria horta evitando o desperdício e reciclando nutrientes, desta forma, vai tecendo sonhos e amizades em torno da horta, entrelaçando produção, saúde e repartindo o pão, ou melhor, hortaliças.
Por último, a horta comunitária do município de Guaratuba. O cultivo de hortaliças, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde grande parte da população possui baixa renda, constitui uma alternativa para suplementar a dieta alimentar de famílias pobres, além de manter alta densidade e grande diversidade de espécies e variedades olerícolas na alimentação familiar. Neste intuito a Prefeitura Municipal de Guaratuba, por meio da Secretaria do Bem-Estar e da Promoção Social, empreendeu em 2001, o Programa Municipal Horta Comunitária, conduzida a campo pelo servidor Daniel Padilha, que gentilmente nos recebeu para apresentar todo o trabalho realizado no espaço, e, ao final, presentou-nos com produtos frescos colhidos enquanto caminhávamos.
O projeto atende a famílias de baixa renda, às quais são cadastradas no Centro de Referência de Assistência Social [CRAS], na atualidade, são 35 famílias beneficiária, porém devido às medidas de enfrentamento à covid-19, não está mantendo o mesmo ritmo de outrora.
A horta comunitária apresenta desafios há serem superados no desenvolvimento do trabalho junto aos beneficiários. Porém existe um mar de possibilidades transformadas em benefícios sociais: de integração, de partilha dos alimentos, muitas vezes, transformados em receitas deliciosas utilizadas nas comemorações de aniversários no próprio espaço da horta; dos benefícios terapêuticos do trabalho com a natureza (terra e seus elementos), da melhoria da qualidade de vida das famílias que passam a consumir alimentos saudáveis, da disciplina, da reciprocidade, estas são apenas algumas das vantagens que a horta tem possibilitado às famílias.
Para o bom funcionamento do programa as ações são planejadas para que a escala de trabalho semanal das famílias e os insumos estejam em consonância desde a implantação da horta, nos tratos culturais, na colheita, até a divisão dos frutos colhidos, vez que são elas, também, as beneficiárias dos frutos ali colhidos, além de ao final do mês receberem uma cesta básica, lembrando que, quando a colheita é farta há doação para outras entidades, como creches e escolas.
Numa área de aproximadamente 6.000 m2, há uma impressionante diversidade de hortaliças, frutas e plantas medicinais. À primeira vista contamos com cerca de 40 espécies, uma riqueza viva, numa área nobre de Guaratuba, anexo ao horto municipal, ao lado do Morro do Espia Barco no largo Nossa Senhora de Lourdes e a cerca de 400 metros da Praia das Pedras.
Segundo Daniel, não há utilização de agrotóxicos e o uso de fertilizante é cada vez mais reduzido. A água utilizada para irrigação vem direto da nascente do morro, razão pela qual manter estas áreas protegidas garantirá o que enuncia a Constituição Federal, Art. 225, de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, garantindo às presentes e futuras gerações, por exemplo, cidades sustentáveis em que estas passam a incorporar a dimensão do ambiente no desenvolvimento denso e complexo do urbano. Considera-se que os espaços de agricultura urbana, tais como as hortas urbanas, enquanto espaços verdes, devem ser integrados ao modelo de desenvolvimento da cidade, importante papel da Horta Comunitária de Guaratuba.
Portanto, a construção do espaço urbano e o seu aperfeiçoamento se apresentam como formas alternativas de recuperar e requalificar espaços públicos, como proposta de ressignificação da cidade, integrando cidadania e o direito à cidade, compreendida como um ambiente urbano, que desde os antigos gregos a concebiam como base do desenvolvimento local, seja ele cultural, econômico ou intelectual.
Que o plano diretor do município contemple a dimensão socioambiental das hortas, e que estas pequenas sementes inspirem a produção de alimentos saudáveis, a manter o contato com a natureza, a contemplar flores e frutos crescerem e se multiplicarem. Relembrando Luizinho da Cadedéia, que Guaratuba seja não apenas a mais bonita pérola do mar, mas dos mangues, da baía, das serras e da produção de alimentos.
* Maria Wanda de Alencar é engenheira agrônoma da Prefeitura Municipal de Guaratuba