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A protetora das corujas-buraqueiras

werney-colunaNuma segunda-feira desse inverno sem frio, fui surpreendido por um telefonema. De início meio estranho, depois inesperado e, por último, inusitado.

Uma senhora – recomendada por uma amiga comum – queria saber como poderia proceder diante de um fato que considerava criminoso. Referia-se a danos que seriam causados a um casal de corujas-buraqueiras, ave bastante comum na orla de Itapoá.

Primeiro esclareci que não sou especialista em corujas, muito menos biólogo ou advogado, apenas um apreciador das aves. Depois, atentamente, ouvi sua estória.

Contou-me que é nova na cidade e no bairro onde mora, uma cena a deixou revoltada. Próximo à igreja, estavam construindo uma calçada, justamente onde havia uma toca com um ninho de corujas-buraqueiras.

O ninho seria soterrado, apesar do veemente protesto do casal de corujas, que já vivia no lugar muito antes da calçada. Considerava uma agressão e queria impedir a destruição do ninho. Abandonar cães nas ruas, dizia, é crime punido por lei, o que será então destruir o habitat e os ninhos das aves silvestres.

Fiquei em dúvida sobre o que dizer frente a uma situação que me pareceu no mínimo ambígua.

Calçadas são importantes. Servem para a mobilidade da espécie humana, predominantemente urbana nos dias de hoje. Mas, e as corujas? Elas também vivem em cidades. Além do que, são frequentes as manifestações das pessoas sobre os direitos dos animais. Elas não teriam o direito de permanecer no local?

Sem discutir o mérito da questão, informei que poderia procurar a autoridade ambiental do município, relatar a ocorrência e solicitar providências. Como alternativa, a Polícia Ambiental que trata da repressão aos crimes contra o meio ambiente. Poderia, também, recorrer à autoridade ambiental do Estado, no caso a FATMA ou, ainda o IBAMA, a autoridade federal. Ou o Ministério Público, formalizando denúncia sobre suposto crime ambiental.

No entanto, antes de envolver os órgãos de proteção as espécies silvestres, ponderei que, talvez fosse interessante pesquisar sobre a ecologia das corujas-buraqueiras.

As corujas mesmo forçadas a deixar o ninho certamente fariam outro na próxima temporada de reprodução. Precisam nidificar para propagar a espécie. Portanto, não havendo indícios de postura, ovos ou filhotes no ninho existente, suprimi-lo não traria maior impacto ou prejuízo para a continuidade da espécie, se essa fosse a sua preocupação. Assim, o ninho poderia ser ‘fechado’ e a calçada construída. Caso constatassem os indícios citados, a solução seria aguardar o nascimento e a saída das corujinhas, para somente após construir a calçada.

No entanto, o episódio das corujas-buraqueiras e sua protetora serviu para uma reflexão:

Num primeiro olhar, de visão positivista em relação ao ‘desenvolvimento’, poderia parecer ‘exagero’, ‘intransigência’ ou ‘radicalismo’ da senhora protetora das corujas-buraqueiras, tentar impedir a construção da calçada.

Em outro olhar, de visão holística e sistêmica, a preocupação da senhora protetora das corujas-buraqueiras com o ninho conduz ao crescente interesse das pessoas quanto à conservação da biodiversidade e o respeito aos demais seres vivos do planeta.

Remete a Fritjof Kapra e a “A Teia da Vida” referindo-se à ligação e a interdependência entre as espécies, como condição para a manutenção da vida. A advertência de que “o homem não tece a teia da vida, ele é apenas um fio; tudo o que faz à teia, ele faz a si mesmo…”.

Considero uma rara oportunidade e um privilégio poder conversar com a senhora protetora das corujas-buraqueiras de Itapoá, sobre um tema que traduz sentimentos tão complexos e contraditórios. Levou a refletir sobre o papel da humanidade neste mundo.

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