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Pesquisadores alertam sobre perigos do cultivo de tilápias

Artigo publicado na revista científica internacional Science também mostra como decreto do governo federal pode afetar a diversidade de espécies aquáticas

Em tempos de ameaças e extinções de espécies, pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Conservação, do Setor de Tecnologia da Universidade Federal do Paraná (LEC-ST-UFPR), publicaram um artigo na revista Science que alerta sobre os perigos do incentivo à criação de tilápias para os ecossistemas aquáticos do Brasil. A publicação faz considerações e aponta preocupações sobre o Decreto N° 10.576 do Governo Federal, publicado em dezembro de 2020.

Desde 2009, o LEC-UFPR se dedica em estudos sobre interações ecológicas, biologia da conservação, espécies invasoras e homogeneização biótica, predominantemente com organismos aquáticos. A partir de estudos prévios sobre os efeitos de espécies não nativas de nossa biodiversidade, os pesquisadores avaliaram a nova medida federal, que transferiu a responsabilidade do cultivo de peixes em reservatórios nacionais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a Secretaria de Aquicultura e Pesca. Além disso, a norma também incentiva indiretamente a criação de tilápias em 60 dos 73 reservatórios da União ao citar a cessão do uso das águas.

Um dos principais pontos abordados no texto científico reflete que a introdução de uma nova espécie em um ambiente pode ser prejudicial para o ecossistema. Foto: Fabrício de Andrade Frehse/Divulgação

O documento publicado na revista Science aponta dados e trabalhos que mostram os riscos que esse novo decreto pode acarretar. As informações ponderam sobre o que é melhor para o meio ambiente, pensando nos prós, contras e nas questões de curto e longo prazo envolvendo a sustentabilidade das atividades relacionadas com as novas legislações.

Um dos principais pontos abordados no texto científico reflete que a introdução de uma nova espécie em um ambiente pode ser prejudicial para o ecossistema. A pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Engenharia Ambiental (PPGEA) e coautora do artigo, Patricia Charvet, explica que a tilápia não é um peixe nativo do Brasil. É uma espécie da bacia hidrográfica do rio Nilo, localizado no continente africano, o que a torna, portanto, exótica para todas as Américas.

“O grande problema é que, apesar de serem fonte de proteína animal e poderem ser utilizadas na alimentação, as espécies exóticas podem causar diversos impactos ecológicos e socioeconômicos associados ao seu cultivo, principalmente quando escapam dos tanques escavados ou mais ainda de tanques-rede colocados em rios e lagos”, relata a cientista.

Preocupação com o meio ambiente

A simples introdução de uma espécie invasora não-nativa pode trazer modificações negativas e irreversíveis aos ecossistemas aquáticos, chegando ao ponto de extinguir espécies naturais de um país que é considerado megadiverso. É isso o que defendem os pesquisadores que assinam o artigo publicado. De acordo com Patricia, a tilápia se adapta bem aos novos ambientes, o que faz com que seja maior a chance de causar danos.

As repercussões e possibilidades que esse evento pode causar envolvem consequências ambientais e econômicas. Confira no infográfico a seguir:

Jean Vitule é professor do Departamento de Engenharia Ambiental e coordenador da pesquisa que está por trás do artigo. Ele explica que os danos para o meio ambiente devem ser colocados na balança quando legislações são implementadas. “Diferentemente das outras poluições, a ecológica não se dissipa e não corre em um sentido único de fluxo do rio. Ela se dispersa ao longo do tempo, porque o peixe vai se reproduzir, comer os peixes nativos e interagir”.

Ainda de acordo com o professor, a pesquisa revela que medidas sobre ecossistemas aquáticos não afetam apenas o Brasil. “Nosso país é constituído de bacias hidrográficas de grande porte. Pessoas que trabalham com ictiologia e ecologia de peixes em países da região estão reportando capturas de espécies como o tambaqui e a tilápia, que vem das aquiculturas do Brasil”, explica.

Alternativas pela conservação das espécies

A introdução de espécies exóticas é sempre alarmante, é o que defendem os pesquisadores do LEC-UFPR. “A população em geral, profissionais de áreas correlatas ao tema e tomadores de decisões precisam estar cientes dos riscos associados ao incentivo proposto pelo decreto publicado em dezembro”, diz Patricia.

Ainda segundo a cientista, os esforços não deveriam ser destinados à introdução de espécies como a tilápia. Para ela, os incentivos deveriam ser em estudos e testes com espécies nativas do nosso ecossistema, para serem utilizadas na criação de pescados para consumo, valorizando nossa biodiversidade e sem trazer tantos riscos ao meio ambiente.

Já de acordo com Jean, o Brasil tem potencial de gerar aquicultura com peixes nativos em uma escala regional, com diversidade de espécies. “O decreto relaxa pontos da legislação que eram importantes e camufla outros problemas. Poucas pessoas vão lucrar muito com essa atividade em detrimento dos impactos que vão ser diluídos para o resto da sociedade”, argumentou o pesquisador.

O LEC-UFPR também realiza seus estudos em ambiente natural. Foto: Fabrício de Andrade Frehse/Divulgação

Consultada, a Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informa que o decreto trata da regularização da aquicultura em águas da União e desburocratiza o processo de solicitação de áreas aquícolas. Ainda afirma que quem define a introdução de espécies exóticas no país é o Ibama e a tilápia é permitida em alguns desses reservatórios desde 1998 por meio da Portaria 145/98.

“O decreto atual – 10.576/2020 – traz em seu art. 13 que toda aquicultura só poderá cultivar espécies permitidas pelo Ibama. A aquicultura em reservatórios é uma atividade sustentável, tendo em vista que os animais dependem de uma qualidade de água apropriada para se desenvolverem e a Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) vem trabalhando para criar uma rede de monitoramento ambiental em águas da União para acompanhar os impactos da atividade, assim como de outras ações na qualidade da água”, informa.

Em relação aos impactos causados pelos tanques-rede, a Secretaria ainda pontua que o governo federal libera a cessão de uso somente até atingir a capacidade de suporte estabelecida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a fim de garantir a qualidade e uso múltiplo da água doce no país. E a autorização do uso do espaço físico respeita a capacidade de suporte do corpo hídrico, não se confundindo nem substituindo o licenciamento ambiental. A cessão de uso pode ser solicitada por pessoas físicas ou jurídicas que tenham como objetivo a produção de peixes.

Sobre o laboratório

LEC-UFPR é ligado ao Departamento de Engenharia Ambiental (DEA), do Setor de Tecnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Através de parcerias e colaborações com grupos de pesquisa em todo o Brasil e outros países, o laboratório busca produzir e divulgar conhecimento científico sobre biologia da conservação e interações ecológicas. Além disso, também executa ações de educação e informação ambiental em suas mídias sociais.

As pesquisas desenvolvidas (que embasaram o artigo relatado nesta reportagem) incluem revisões teóricas, estudos práticos de campo, experimentos em laboratório e in situ (em ambiente natural). Essas práticas permitem que o LEC-UFPR desenvolva trabalhos sobre métricas de biodiversidade, efeitos da predação quanto à origem do predador, estrutura da comunidade, manejo de exóticas invasoras, homogeneização biótica e conservação de espécies.

Segundo Patricia, com o avanço das pesquisas desenvolvidas pelo LEC-UFPR é possível ampliar o conhecimento sobre os impactos negativos do uso de espécies não-nativas. “Propondo recomendações ou alternativas que respeitem nossa biodiversidade, ecossistemas e população”, acrescenta a pesquisadora.

Siga o Instagram (@lecufpr_invasions) do laboratório para saber mais sobre suas atividades ou clique aqui.

Por Breno Antunes da Luz
Sob supervisão de Maria Fernanda Mileski
Infografia: Juliana Barbosa (Aspec/Setor de Ciências Biológicas/UFPR)
Parceria Superintendência de Comunicação e Marketing e Agência Escola de Comunicação Pública UFPR

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