Carta 151. Descalço – resenhas
Há um mês recebi como presente de um amigo os seguintes livros:
Van Roosmalen, M.G.M. 2013. Barefoot through the Amazon – On the path of evolution. http://www.amazon.com Print version: 1-498. Paperback https://www.createspace.com/4177494
Van Roosmalen, M.G.M. 2013. A shaman’s apprentice: traditional healing in the Brazilian Amazon.http://www.amazon.com Print version: 1-155. Paperback https://www.createspace.com/4232714
Van Roosmalen, M.G.M. & T. Van Roosmalen . 2013. On the origin of allopatric primate species and the principle of metachromatic bleaching.http://www.amazon.com Print version: 1-145. Paperback https://www.createspace.com/4549738Destes três, os primeiros dois já li. Foram escritos numa linguagem popular-científica e gostei tanto a leitura que resolvi escrever uma resenha do livro mais volumoso: o primeiro. O terceiro livro foi estruturado como artigo científico e merece ser resenhado por algum especialista da área, seja primatólogo ou zoólogo geral.
Como pesquisador obrigado pelas circunstâncias a viver de recursos mínimos, eu normalmente não me encontro em condições para viajar pelo país imenso, para participar em congressos na minha área. Mas, procuro aproveitar sempre quando um destes congressos ocorre em Curitiba. Desde a minha chegada ao Paraná em 1979, tanto o Congresso Nacional de Botânico quanto o Congresso Nacional de Zoologia têm ocorrido duas vezes no capital paranaense: o de Botânica em 1985 e 2005 e o de Zoologia em 1988 e 2008, sempre nos meses de janeiro ou fevereiro. Ao visitar estes congressos costumava verificar se havia algum participante da minha terra natal. Assim, em 1985 encontrei em Curitiba os botânicos holandeses Ben ter Welle (especialista em dendrologia) e Pieter Baas, ambos eles cientistas de renome internacional. E no congresso de 1988 encontrei o mastozoólogo(a) e botânico Marc van Roosmalen, que veio convidado para participar na mesa redonda “Interações entre mamíferos e plantas”. Ao nos se conhecermos, logo foi combinado para juntos fazermos uma excursão na Serra do Mar após do encerramento do congresso. Assim, ele poderia conhecer alguns macacos nativos da Mata Atlântica antes da sua volta para Manaus. A ideia inicial era pegar o trem e descer na Estação Marumbi, para ali começarmos a nossa caminhada. Mas houve um imprevisto: os funcionários da rede ferroviária estavam em greve. Assim, optamos por pegar o ônibus que passa pela Estrada de Graciosa, para descer no alto da serra e ali pegar o magnífico ‘Caminho de Graciosa’. Assim teríamos uma boa chance de ver tanto o macaco-prego quanto o bugiu-ruivo, juntos constituindo dois terços de todos os macacos nativos então conhecidos do Sul do Brasil.(b) No dia marcado chegamos a Rodoferroviária quase ao mesmo tempo, por volta das 7:15 h: ainda deu tempo para ir tomar um copo de café antes de o ônibus sair (horário 7:45 h). Acontece que a nossa conversa fluía tanto que nos esquecemos do tempo: vimos o ônibus sair abaixo do nosso nariz! Marc logo se mostrou uma pessoa de iniciativa: correu para um taxista, que ele pediu para rapidamente alcançar o nosso ônibus. Não sei se aquele motorista nos entendeu errado, ou propositalmente errou o caminho. Percebi muito tarde que estávamos indo em direção a Paranaguá, percorrendo a BR-277! Descemos no primeiro posto de gasolina, para ali pedir carona aos motoristas e, paralelamente, aguardar um ônibus. Sendo sábado de verão, todos os carros estavam lotados e, ao mesmo tempo, só passou ônibus “direto” (não para no ponto). Após de duas horas de espera, num calor intenso e no meio do barulho do tráfego, finalmente parou um ônibus “intermediário”. Este nos levou até Paranaguá, pois já tínhamos desistido do plano de ver macacos. Ficamos duas horas na bela cidade histórica e voltamos para Curitiba, pois queria que Marc conhecesse a minha morada: a Reserva Natural Cambuí, no vale do rio Iguaçu, situada ao caminho do aeroporto. No fim da tarde ainda tivemos de correr de bicicleta, da Reserva até o ponto de táxi mais próximo, para Marc não perder o avião para Manaus, pois tinha passagem para o voo das 18:45 h.
O que mais me lembro daquele dia (6 de fevereiro de 1988) é que, apesar de muita coisa der errado, Marc nunca perdeu o bom humor. Morri de rir das histórias que ele contou do seu tempo de hippie, quando morava com macacos numa casa-barco em um canal de Amsterdã. No meio das risadas falamos também um pouco do trabalho e descobrimos um ponto de encontro entre a macrofauna dele e os macrofungos meus: Marc tinha visto na Amazônia um jabuti comendo cogumelos.
Alguns meses depois da visita de Marc escrevi para ele, fazendo uma brincadeira mórbida, estilo holandês: pedi se ele podia me mandar pelo correio o conteúdo estomacal daquele jabuti. Ele não respondeu (talvez nem recebesse a mensagem; e-mail ainda não existia) e aí se encerrou o nosso contato, por completo.
Como a maioria dos holandeses dentro e fora do Brasil, sofri muito com a via-crúcis que Marc teve de percorrer mais tarde e que, em 2007, culminou com a sua prisão em Manaus,(c)sob acusações terríveis. Considerei tendenciosas as notícias na imprensa nacional (houvera exceções), infelizmente até um artigo na revista Veja (“A Lei da Selva”), em que ele foi descrito como um potencial assassino.
O Marc que eu conheci em 1988 não faria mal nem a uma mosca!
Recentemente li um livro (Betto et al. 2011) em que Frei Betto comenta que, na fase posterior do seu aprisionamento durante a ditadura militar, ele foi colocado numa cela com presos comuns, incluindo assassinos, na provável esperança dos seus algozes de que ele fosse morto por um companheiro de cela. Marc também foi jogado numa cela comum, tendo os mesmos suspeitos que Betto teve a respeito dos seus condenadores (Van Roosmalen 2010). Sendo ambientalista, Marc tinha acusado gente poderosa, principalmente em Manaus.
Lendo o capítulo Preserving the Amazon, uma das partes mais importantes do livro Barefoot through the Amazon, fica bastante claro que Marc tinha!--more-->…