Pescador fala da vitória contra restrições em Superagüi
Criado sem participação popular, em 1989, o Parque Nacional do Superagüi, em Guaraqueçaba, é epicentro de conflitos socioambientais entre pescadores artesanais e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).Por ser uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, a atuação do órgão ambiental ocorre no cerceamento e proibição de práticas tradicionais, o que provoca há mais de 25 anos tensões e interdito ao trabalho e a manutenção da vida dessas comunidades tradicionais de pescadores artesanais e caiçaras.
Apesar de existir há mais de 20 anos, o Parque Nacional do Superagüi, o Plano de Manejo – documento que define as atividades que podem ser desenvolvidas dentro da Unidade de Conservação, está em fase final de elaboração. Esse Plano deverá criar mais dificuldades para as comunidades uma vez que, nessa Unidade de Conservação não é permitida a presença humana e o uso do território.
Em 2011 os gestores do Parque Nacional iniciaram um processo de construção do Plano de Manejo sem que os pescadores e pescadoras artesanais tivessem acesso aos mecanismos de consulta de boa-fé sobre os impactos em seu modo de vida, conforme dispõe a OIT 169. Na época, chegaram a entregar dois documentos com mais de 250 páginas descrevendo como estava sendo construído o futuro do parque juntos aos pescadores artesanais e onde, mais uma vez, desrespeitava a OIT 169, no que se refere a linguagem apropriada e a autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais.
No final de 2013, com o grito “Na terra ou no mar, nós vamos lutar!”, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Paraná (Mopear), realizou um encontro para discutir as violações de direitos humanos provocadas pelas Unidades de Conservação de proteção integral em territórios de comunidades caiçaras, de pescadoras e pescadores artesanais no Paraná.
O evento contou com a presença do coordenador Regional do ICMBio, gestores do Parque, deputados, representantes das Defensorias Públicas da União e do Estado do Paraná e outras autoridades, além de mais de 500 caiçaras e pescadores e pescadoras artesanais.
Mesmo diante das denúncias realizadas, o ICMBio afirmou que a Convenção 169 da OIT não era aplicável no Brasil, que os direitos que estavam sendo pleiteados não existiam e que a participação na construção do Plano de Manejo era uma concessão do ICMBio e não uma obrigação legal. Foi travada uma verdadeira batalha para garantir a participação social na elaboração de referido documento.
Após diversas tentativas extrajudiciais o Mopear solicitou às Defensorias Públicas do Estado (DPPR) e da União (DPU) que judicializassem a questão e, no dia 26 de maio, o juiz Guilherme Roman Borges da 1ª Vara da Justiça Federal de Paranaguá, concedeu liminar em ação civil pública. Segundo a determinação, o Instituto agora terá que disponibilizar às instituições e aos pescadores tradicionais os documentos e estudos do Plano de Manejo do Parque Nacional, bem como a garantir sua efetiva participação no processo de construção do Plano.
Trata-se de um histórico precedente judicial para os pescadores artesanais do Paraná, já que é a primeira vez que eles têm o direito de participar, na qualidade de comunidade tradicional, das decisões que envolvem seu território. Quem afirma isso é um pescador da comunidade de Superagüi e um dos líderes do Mopear.
Com 44 anos, e trabalhando com pesca há 36, o homem obteve sua carteira de pesca há 25 anos. Ele conta que a relação dos moradores da comunidade de Superagüi com o Parque Nacional é praticamente inexistente. Segundo ele, em conversa com a Terra de Direitos, quando o Parque foi criado, praticamente foi tirada a cultura, o modo de vida e os direitos dos moradores locais.
Além das críticas ao ICMBio, o pescador contou como surgiu o Mopear e comentou a vitória dos pescadores na justiça. Confira a entrevista completa:
Terra: O que é o Mopear?
Pescador: O Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral Paranaense nasceu na comunidade de Superagüi, em 2008, através de uma conversa de alguns pesquisadores da Rede Puxirão e pescadores da comunidade relatando os conflitos que existiam lá. Daí então os pescadores foram convidados a participar das reuniões da Rede Puxirão, e a partir de então surgiu o movimento.
Surgiu pra fazer denúncias e pra gente tentar se organizar, por que temos vários conflitos, não só com o Parque Nacional, mas também com os barcos industriais que vêm por alto mar, de São Paulo, de Santa Catarina etc, invadindo o litoral do Paraná e levando nossas pescarias. Então a gente começou a se organizar pra ver se conseguimos fazer um ordenamento de pesca no mar e também reivindicar o nosso território.
Organizando nossos pescadores iremos lutar para a retomada do nosso território, por que nós estamos praticamente perdendo nosso território. Perdemos nosso território em terra pro Parque Nacional e pra várias outras Unidades de Conservação, Unidades de Preservação Permanente, integral etc, que estão se criando. E pelo mar a gente vai perdendo o território pros próprios barcos industriais que vem não respeitam lei, não respeitam milha, não respeitam nada, vão nos abocanhando e levando nossa pescaria. Então o movimento surgiu daí, pra organizar, reivindicar e denunciar também.
Temos até um grito de guerra, “Na terra ou no mar, nós vamos lutar!”
T.: Qual a relação da comunidade com o Parque Nacional?
P.: Não existe relação. Quando o Parque foi criado, praticamente foi tirada a cultura, o modo de vida e os direitos dos moradores locais. Começou proibindo a construção de roça, antes éramos caiçaras, hoje só pescadores, por que não podemos mais caçar, tem essa proibição.
E eu acho que depois da criação do Plano de Manejo no Parque, a gente vai perder o restinho direito que a gente têm, e isso vai acontecer por que não somos ouvidos e nossas reivindicações não são levadas em consideração.
T.: Como está se dando a criação do Plano de Manejo?
P.: Não está, por que não foi construído!--more-->…