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PDS Litoral entrevista presidente do Ipardes

A heterogeneidade e os desafios do Litoral do Paraná

Há quatro anos à frente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – Ipardes, o diretor-presidente Julio Takeshi Suzuki Júnior cita como o grande desafio do PDS_Litoral a identificação dos caminhos do desenvolvimento e a incorporação do Plano nas políticas públicas de cada município e do Estado.

Fala ainda sobre a heterogeneidade da região, composta pelos municípios de Antonina, Guaratuba, Guaraqueçaba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e Pontal do Paraná, e sobre governança. Acompanhe, a seguir, os principais tópicos da entrevista.

Foto: ANPr

Julio Takeshi Suzuki Júnior é graduado em Administração pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e atual diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES, órgão vinculado à Secretaria de Estado do Planejamento.

Como você enxerga o desenvolvimento no litoral do Paraná?

O litoral do Paraná apresenta muitas particularidades: uma das principais é o fato de possuir o maior ativo ambiental do Estado, que deve ser respeitado, de modo que o desenvolvimento tenha que conciliar avanço econômico com a preservação desses ativos. Deve-se reconhecer que desenvolvimento econômico e preservação não se eliminam conjuntamente. Por outro lado, o não desenvolvimento ou o baixo crescimento econômico (estagnação) não representa necessariamente a preservação dos ativos ambientais. Também é importante considerar, além da questão ambiental, as questões sociais, as características da população local, inclusive as defasagens em termos sociais e econômicos. Então, pode-se dizer que o grande desafio é promover o desenvolvimento da região respondendo às demandas da população, mas com o mínimo prejuízo ambiental.

Hoje se observa no Brasil casos bem-sucedidos de desenvolvimento econômico aliado à preservação ambiental: regiões com grandes extensões de mata preservada, mas que praticam atividade industrial, de serviço ou agropecuária. Temos bons exemplos no país que podem ser referência para o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral do Paraná – o PDS_Litoral. O grande desafio do Plano é a identificação de caminhos para o desenvolvimento sustentável e a incorporação do Plano nas políticas públicas de cada município e da região como um todo.

Você pode citar um exemplo desses casos bem-sucedidos de desenvolvimento?

Guaraqueçaba tem um PIB per capita dos mais baixos do Estado. Do outro lado da fronteira com o Estado de São Paulo, temos Cananeia, com um PIB per capita muito mais elevado. As condições ambientais e a preservação nesse outro município é muito presente. Quem sabe os estudos que estão sendo feitos pelos consultores do Plano possam se utilizar desse exemplo como benchmarking, tomando como referência de boas práticas. Vemos que o turismo ecológico de Cananeia é mais desenvolvido do que o de Guaraqueçaba, talvez por uma melhor condição de infraestrutura, que não agride o meio ambiente. Esse dado se baseia no indicador de preservação da Mata Atlântica. A comparação é inevitável, por isso essa referência é fundamental para o PDS_Litoral, pode ser inovador e fundamental neste sentido.

Ativos ambientais podem ser considerados ativos econômicos?

Ativos ambientais são ativos econômicos desde que bem explorados. É preciso saber identificar as atividades que mantenham os ativos ambientais e que gerem ativos econômicos. É um desafio muito grande. Podemos tomar como exemplo o turismo, que é uma atividade de entretenimento. Nesse sentido, a cobrança de taxas para usufruir de espaços de lazer é uma oportunidade para financiar políticas públicas, inclusive de manutenção desses espaços e preservação ambiental. Nada mais justo economicamente do que a geração de receitas para os municípios a partir de atividades que tenham relação com ativos ambientais, que podem ser revertidas em benefícios para a população.

Essa é uma forma de se conciliar crescimento econômico com preservação ambiental?

Sim, mas há várias visões de desenvolvimento, não existe uma receita única. E esse também é um dos desafios da parte prospectiva do PDS_Litoral. Muitas regiões se desenvolveram, por exemplo, com investimentos industriais com grande aporte de capital, o que levou a uma expansão produtiva significativa, mas da forma como foi feito, houve grandes perdas ambientais. Há vários casos, inclusive de empreendimentos estatais, com procedimentos poluentes ou, por exemplo, geração de energia que resulta em uma perda ambiental grande, mas que mesmo assim resulta em desenvolvimento. Na outra ponta, temos a possibilidade de desenvolvimento com base em empreendimentos familiares, que são menos agressivos ao meio ambiente. Mas vale ressaltar que os pequenos empreendimentos e empreendimentos familiares também podem ser agressivos ao meio ambiente. O PDS_Litoral é uma oportunidade para buscar formas de se conciliar elementos desses vários modelos de desenvolvimento, considerando o que é mais adequado aos municípios do litoral do Estado.

Quais os desafios para o desenvolvimento do litoral paranaense?

Conciliar opiniões de grupos é desafiador. Eventualmente, um grupo quer 8 e o outro 80. Há situações em que determinados grupos lutam por seus interesses e, de outro lado, há uma articulação de outros grupos com maior força política, que leva a uma decisão contrária; mas não há diálogo entre eles para conciliar os interesses. Também vemos que a dificuldade de organização dos grupos oficiais ou não, dentro ou fora de governo, são obstáculos para o desenvolvimento do litoral.

A sociedade brasileira não tem a prática de consenso, mas isso não é necessariamente ruim, uma vez que o conflito pode trazer novas ideias e dar origem a boas soluções. No caso do litoral, temos em pontas opostas os que vão na linha do crescimento econômico e na outra os defensores do meio ambiente, numa equação de 8 ou 80, sem sair do lugar. Por isso é preciso buscar um consenso mínimo de desenvolvimento, tomando como eixo os objetivos, “onde nós queremos chegar”. Muitas vezes os objetivos são consensuados, mas os meios para alcançá-los não são. Por exemplo: temos que melhorar emprego, saúde e educação – objetivos consensuados. Quais os meios que iremos utilizar? Devemos ter um tronco comum de consenso para posteriormente poder discutir as diferenças.

Isso é uma questão relacionada ao modelo de governança?

Sim, essa é uma parte essencial do trabalho que está sendo executado, porque é o elemento que irá gerar todas as ações necessárias ao desenvolvimento sustentável. Se fosse uma questão de um especialista sentar e resolver seria fácil. Não podemos conceber uma ditadura de técnicos. Ao criarmos um modelo participativo de governança, propomos um círculo virtuoso de geração de boas ideias e com uma visão multidisciplinar, incluindo os saberes locais. Por isso é importante a participação dos atores locais, para que o processo comece a andar. O segredo é a participação popular de fato nessa governança.

Qual sua impressão sobre o mercado de trabalho no litoral nesse momento?

Conjunturalmente, hoje temos cerca de 12/13 milhões de brasileiros sem emprego, é uma questão grave. No Paraná, especificamente, em condições econômicas normais poderemos enfrentar no futuro um processo de falta de mão de obra pelo fato de nossa população não crescer nos níveis que deveria e também porque está envelhecendo. O Paraná, da mesma maneira que os outros dois estados da região Sul, está num processo de envelhecimento muito mais avançado do que a média nacional. Processo de envelhecimento aliado ao crescimento populacional baixo leva a um cenário no qual, em breve, não teremos pessoas suficientes para trabalhar. A dinâmica do litoral é diferente. A população da região está crescendo mais do que a média do Estado. No Brasil, toda faixa litorânea está apresentando taxa demográfica maior do que as áreas interioranas. E o litoral do Paraná não foge à regra neste sentido. Então será preciso um esforço maior para a geração de trabalho e renda para essa população. Mas gerar emprego não basta, é preciso gerar emprego com uma produtividade mais elevada (com salário maior). O desafio é gerar emprego com qualidade e emprego que não prejudique ambientalmente. Esse é um dos desafios para os quais os estudos do Plano poderão nos dar a resposta.

Mas há diferenças entre os municípios do litoral em relação à variação populacional, certo?

A maior parte dos municípios paranaenses terá perda de população nas próximas décadas. Isso não significa uma falência econômica, até porque com o uso das novas tecnologias e inovações consegue manter um dinamismo econômico empregando menos. No litoral a situação é diferente. O crescimento populacional é bem-vindo, mas deve ser bem gerido. Guaraqueçaba, Antonina e Morretes apresentam diminuição da população, enquanto Guaratuba, Matinhos e Pontal do Paraná aumento. Como município economicamente sólido, Paranaguá não apresenta taxas positivas. Nos municípios do norte do litoral (Guaraqueçaba, Antonina e Morretes), há uma influência da baixa resposta econômica frente às necessidades da população. E mesmo no caso de um fenômeno que vem acontecendo, de processos migratórios de pessoas que se aposentam e vão viver no litoral, os aposentados não escolhem estas cidades, ao contrário dos municípios balneários, que podem ter o aumento populacional por esse motivo. Esse fenômeno nos mostra os elos de uma cadeia necessária para o desenvolvimento sustentável: a população que vai morar no litoral demanda serviços públicos, qualidade urbana e ambiental, que por sua vez demandam recursos públicos. Esses recursos dependem da capacidade da economia local de gerá-los. Não é possível alcançar o objetivo do desenvolvimento sustentável se algum desses elos for negado ou quebrado. Esse é o consenso necessário ao qual eu me referia.

O declínio econômico e demográfico em Antonina e Morretes, cidades com uma grande riqueza cultural e paisagística, não é um contrassenso?

Sim, é verdade. O ativo de patrimônio cultural que alguns municípios têm, como Antonina e Morretes, é subaproveitado, pois não conseguem ir além do turismo esporádico e eventual de curta duração. Até o momento não foi possível criar uma cadeia de turismo de fato, que propicie um dinamismo econômico maior. É preciso fugir do turismo curto, esse que as famílias fazem no fim de semana. Esse é um tema que pode ser abordado no PDS_Litoral. Nosso litoral não é grande, porém é muito heterogêneo. De um lado temos Paranaguá, que possui uma estrutura portuária moderna, maior exportador de grãos e, do outro, temos municípios cujo patrimônio histórico está muito presente. Desenvolvimento por si já é variável. Esse é outro desafio do Plano, buscar um modelo pensado para a realidade de cada município litorâneo.

Na sua visão, o turismo por si só é uma saída para o desenvolvimento do litoral?

Não, o turismo no litoral é importante, mas ele por si só não responde ao atendimento das demandas sociais da população. Como a população como um todo está crescendo, há que se ter uma estrutura produtiva mais diversificada. É interessante que haja outras atividades que não prejudiquem os ativos ambientais, que poderiam até se articular às atividades turísticas. Como exemplo, temos um treinamento relacionado a profissionais de turismo, guias turísticos. No caso de cursos, há a necessidade de empregar um professor. É conveniente pensar melhor nessa cadeia, a fim de que se possa expandi-la, mesmo dentro dessa centralidade que é o turismo. É preciso pensar o turismo de uma forma mais ampla, beneficiando e diversificando esta cadeia. Mas há outras atividades econômicas que poderiam ser desenvolvidas, compatíveis com a realidade do litoral, por exemplo, o beneficiamento de produtores rurais locais, como a banana, o maracujá, etc.

Em relação ao momento atual da elaboração do PDS_Litoral, tem algo que mereça uma atenção especial?

Além do que já mencionei, nos relatórios feitos pela consultoria do Plano colocou-se em evidência a existência de dois mundos: Paranaguá de um lado e os outros seis municípios de outro. É importante verificar que esses municípios limítrofes têm outras vocações, não necessariamente atreladas à estrutura portuária de Paranaguá.

Além disso, na fase de contextualização, é importante ter mais ouvido do que boca. É preciso interpretar a realidade, saber o porquê do cenário atual. Por isso, é necessário compreender os anseios da população em sua totalidade. A partir daí é possível uma construção conjunta entre técnicos do governo, consultoria e sociedade civil, no sentido de buscar o equilíbrio, ponderar qual seria o melhor modelo de desenvolvimento para a região. Esse processo de desenvolvimento equilibrado só se viabiliza com procedimentos de abertura e consulta popular, numa construção conjunta.

LITORAL PARANAENSE EM NÚMEROS

MunicípioPopulaçãoRenda per capitaIDH
Antonina19.011R$ 19.7900,687
Guaraqueçaba7.679R$ 9.9040,587
Guaratuba36.595R$ 18.0400,717
Matinhos34.207R$ 27.1160,743
Morretes16.366R$ 15.1800,686
Paranaguá153.666R$ 46.9740,750
Pontal do Paraná26.636R$ 17.4830,738

Fontes: IBGE, PNUD.

Entrevista realizada pelo PDS_Litoral

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