Defensoria apoia indígena no reconhecimento do filho na aldeia Guaviraty, em Pontal
Foi apenas aos 23 anos que Ronildo Gonçalves Acosta, indígena Guarani Mbya, recebeu o nome do pai na certidão de nascimento. O documento não representa, no entanto, o resultado de toda a trajetória percorrida pelo jovem morador de Pontal do Paraná até garantir seu direito.
Isso porque, desde a infância, Ronildo tem deficiência auditiva. Essa condição, somada ao fato de que não ele não tem fluência em Língua Brasileira de Sinais (Libras), impede o rapaz de ler e escrever plenamente. Mais do que a nova certidão de nascimento, obtida em julho, a relação de afeto e carinho com seu pai, Onírio Vera Acosta, simboliza a conquista da família – consequência do trabalho da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR).
O reconhecimento do vínculo biológico entre os dois demandou quatro frentes de atuação da DPE-PR, por meio de iniciativas da Assessoria de Projetos Especiais. Ronildo e Onírio foram os primeiros indígenas do Paraná atendidos pelo (Re)conhecendo Direitos, programa voltado à realização de exames de DNA gratuitos por meio da Defensoria Pública. Para a coleta e entrega do resultado do teste, pai e filho contaram com o apoio de uma intérprete do serviço de Libras disponibilizado pela instituição – novamente, os primeiros indígenas a utilizarem o atendimento.
“Graças a Deus hoje estou com meu filho, juntos, morando e convivendo em família com toda nossa comunidade. Com a Defensoria Pública, nós conseguimos confirmar algo que entre nós já estava certo”, conta Onírio, que vive em na aldeia (tekoa ou tekoha) Guaviraty, parte da Terra Indígena Sambaqui, no balneário Shangri-lá, com o filho.
Apesar de juridicamente fazerem parte de uma mesma família apenas após o reconhecimento, Ronildo mora com Onírio e a comunidade Guarani Mbya local há cerca de um ano. O jovem também passa períodos com a mãe, em Santa Catarina.
Reencontro
A equipe da Defensoria Pública em Paranaguá atendeu os indígenas durante os procedimentos relacionados ao teste de DNA. Entretanto, o primeiro contato entre eles e a instituição ocorreu por meio do atendimento online, na Central de Relacionamento com o Cidadão (CRC). “Quando procurei um serviço para registrar o Ronildo, recebi a informação de que eu deveria fazer o exame [de DNA]. Para facilitar o registro no documento. Mas não tenho condição de pagar, então me indicaram a Defensoria Pública”, relembra o pai. Todas as primeiras etapas do atendimento foram realizadas por telefone, tanto da parte de Ronildo quanto de Onírio.
Começar a usar um celular, inclusive, foi um hábito que mudou a relação entre Ronildo e Onírio a cerca de vinte anos. “Eu me separei da mãe dele sem nós dois sabermos que ela já estava grávida, e perdemos o contato quando, na mesma época, fui para São Paulo”, afirma Onírio. “O telefone e a internet ajudaram a gente a se reencontrar e se reaproximar aos poucos”, destaca.
O começo da história
A partir do momento que a assessora jurídica Giovanna Dalledone recebeu o pedido de atendimento por meio da CRC, em março, a próxima etapa consistia em confirmar que os então supostos pai e filho fariam o exame voluntariamente. Essa é uma condição prevista no serviço da DPE-PR. “A comunicação com o filho foi mais difícil, porque apesar de ele ter telefone também, não compreende totalmente a escrita. Então nós preparamos um momento para o Ronildo poder confirmar a vontade de fazer o teste”, comenta a assessora. Nessa intermediação, a Defensoria Pública utilizou pela primeira vez o serviço de intérprete.
Coleta
Em 20 de março, Onírio e Ronildo realizaram o teste de sangue. Para que a profissional intérprete de Libras pudesse participar da sessão, a equipe da DPE-PR fez uma videoconferência. “Ainda que o Ronildo não seja fluente em língua de sinais, alguns intérpretes conseguem utilizar uma comunicação considerada mais intuitiva e universal. Ou seja, no atendimento, a profissional não se comunicou por Libras, mas compreendeu algumas formas de expressão do Ronildo e adaptou os sinais”, descreve Dalledone.
Onírio explica que o apoio na comunicação atravessa cotidianamente a relação com o filho. Na aldeia em Pontal do Paraná, eles realizam suas atividades diárias com as demais famílias da comunidade, em um espaço comum. Desde refeições até o trabalho coletivo, que envolve principalmente o artesanato. Para que Ronildo consiga desempenhar suas tarefas, a ajuda paterna é fundamental, segundo Onírio. “Estamos sempre juntos para ele consiga pedir e fazer o que precisa, o que tem vontade. Nosso espaço em casa tem sempre muitos desenhos, fazemos muito para conversar e nos entender. Isso acontece também com toda a nossa aldeia”, conta o pai.
Para a servidora Flavia Bandeira Cordeiro Portela, responsável pelos projetos de inclusão e acessibilidade da APE, o caso foi além do esperado inicialmente porque o o indígena não conhece a comunicação por Libras. “O esperado é fazer uma comunicação com uma tradução do português para Libras e vice-versa, mas no caso do Ronildo, por ser indígena, ele não se comunicava pela Libras. Ele tinha um dialeto próprio de sinais com a sua comunidade. Então, era ainda mais complexo”, lembrou. Segundo Portela, mesmo assim, os intérpretes conseguiram se comunicar com o indígena.
“A gente ficou muito feliz de ver que um indígena surdo, que tem uma dupla vulnerabilidade social, foi bem atendido pela instituição. A Defensoria conseguiu eliminar todo tipo de barreira comunicacional para atendê-lo”, disse ela.
Entrega
Os indígenas voltaram à DPE-PR em Paranaguá, em 29 de abril, para receber o resultado do exame – positivo. Novamente em sessão de videoconferência, a entrega foi feita pela assessora jurídica Priscila Caroline Viana, com intermediação da plataforma de tradução simultânea. Além da revelação do teste de paternidade, a Defensoria Pública utiliza o momento para orientar o pai a buscar o serviço de registro civil, já com o resultado em mãos, e fazer o reconhecimento de paternidade voluntário. O pai também é orientado a respeito de suas responsabilidades em relação ao filho.
“Mesmo com todas as especificidades que o caso tem, nós conseguimos garantir o atendimento adequado da família com um trabalho conjunto que envolveu mais de um projeto da instituição. A população, por vezes, não consegue acessar seus direitos por outras barreiras, como a acessibilidade e o custo. É gratificante ver nosso trabalho garantindo dignidade a pai e filho”, ressalta Viana.
Com a paternidade confirmada, o reconhecimento de Ronildo junto ao cartório de Pontal do Paraná dependeu de mais uma iniciativa da DPE-PR. Desde 2023, usuários e usuárias da instituição não precisam pagar por serviços relacionados ao registro civil, graças a um convênio firmado entre a Defensoria Pública, a Associação do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná e o Fundo de Apoio ao Registro Civil de Pessoas Naturais. Além dos serviços cartoriais do município litorâneo, as informações da certidão de nascimento de Ronildo precisavam ser enviadas ao Paraná pelo cartório de Palhoça (SC). O documento atualizado chegou para os Guarani Mbya dez dias após a regularização em Pontal.
Para o defensor público-geral do Paraná, Matheus Munhoz, este caso de sucesso representa uma conquista para toda a instituição. É um exemplo de que a Defensoria Pública deve sempre somar esforços em prol da inclusão de toda a população paranaense.
“Acesso à Justiça significa aproximar o cidadão e a cidadã dos nossos serviços. A conquista dessa família nos mostra que devemos sempre trabalhar em prol do atendimento humanizado, acessível e inovador”, afirma ele.
O atendimento completo de Onírio e Ronildo contou também com o trabalho da assessora jurídica Bruna Abdalla.
Fonte: Ascom DPE-PR