O mais lindo jardim
Carta 157. Jardim lindo em Antonina e a sua jardineira
Eu tinha 23 anos quando faleceu a minha bisavó, Maria Therese Roose. São poucas as pessoas que tem o privilégio de poder conviver por tanto tempo com uma bisavó. Ela tinha nascido e crescido em Flandres da Bélgica e o seu belo sobrenome foi bem apropriado, pois ela adorava cuidar do seu jardim.(a) Ela casou-se com um holandês e soube passar o gosto pela jardinagem à única filha, Marie Louise Cammaert, que por sua vez o passou à filha primogênita, Marie Thérèse Calon, a minha mãe. A casa dessas três senhoras estava sempre cheia de vasos de flores, recém-colhidas no próprio jardim e a minha mãe, durante muitos anos, decorava com as suas flores de corte a igreja da nossa cidadezinha, IJzendijke.Eu também gosto muito de jardins, mas sendo produto da minha época, desenvolvi um senso de estético algo diferente do que as três mulheres que me precederam. Gosto de um jardim selvagem e cabeludo, onde as espécies de ocorrência espontânea se misturam a vontade com as espécies plantadas. A partir da geração ‘let it grow & let it be’ dos anos sessenta-setenta, o ‘jardim descontrolado’ tem se tornado bastante comum na Europa. Mas, no Brasil, recebeu pouca adesão; aí a maioria dos jardins continua do ‘estilo bisavó’, alias, com uma desagradável concessão a comodismo: o uso constante da barulhenta roçadeira motorizada.
Na cidade de Curitiba consegui descobrir alguns jardins esteticamente atraentes (veja também SPVS 2010), mas no litoral norte do Paraná a maioria dos jardins me decepciona.(b) Nas cidades de Antonina e Guaraqueçaba, que frequento desde 2003, nunca encontrei um único jardim realmente notável...
até recentemente, razão que me motivou a escrever esta carta. Em uma rua de Antonina que já havia percorrido muitas vezes ao longo da última década, de repente... veio a agradável surpresa: um pequeno jardim chamou a minha atenção. A partir de então, cada vez que passava em frente desse terreno espiava por cima do portão e a cada vez o jardim me parecia ainda mais atraente. Era evidente que a casa do terreno estava sem morador e o portão de acesso ao terreno se encontrava sempre cadeado. No último 9 de abril deixei a minha curiosidade vencer e fui conversar com o vizinho. Ele se apresentou como Ronaldo e me contou que está encarregado de vigiar o terreno, desde dezembro de 2013, quando o casal de moradores, seus amigos, saíram do local para receber tratamento médico em Curitiba.
O bom Ronaldo abriu para mim o portão, permitindo-me a entrada no jardim para realizar o meu sonho: fazer o levantamento das plantas encantadoras. Aproveitei bem a minha visita: permaneci naquele terreno, de apenas 20 por 20 metros, por três horas seguidas (13 a 16 h) e por se tratar de uma tarde ensolarada, tive a sorte de receber a companhia de várias espécies de borboletas. Enquanto a diversidade botânica do jardim gradualmente foi se revelando, despertou a minha vontade de conhecer a criadora deste pequeno eldorado. Devia ser uma pessoa parecida com a minha bisavó. Assim, depois de terminar o levantamento voltei ao vizinho, para entrevistá-lo. Ronaldo me passou informações preciosas sobre a boa jardineira, Maria Loureira Stella, e depois sugeriu que fosse verificar esses dados com dona Miriam, a sobrinha de Maria (filha da irmã dela), que reside ali perto. Ronaldo e dona Miriam me contaram o seguinte:
Maria Loureiro Stella era conhecida em Antonina pelo apelido ‘dona Mariche’. Ela faleceu na idade de 101 anos, em 12 de junho de 2014, no Hospital do Idoso Zilda Arns, bairro Pinheirinho, Curitiba.
A mãe da jardineira Maria, chamava-se Augusta Austoche e tinha vindo da Alemanha. Em Curitiba, casou-se com Augusto Loureiro, um descendente de portugueses.
A filha, Maria Loureiro, casou se com Waldemar Stella, com quem teve dois filhos homens. Após aproximadamente dez anos de casamento, Waldemar faleceu. Posteriormente, Maria encontrou um novo companheiro, Arsenio Rocha, com quem viveu os últimos sessenta anos da sua vida: os primeiros vinte, em Curitiba (na esquina da Rua Urbano Lopes com Avenida Presidente Affonso Camargo, bem ao lado do atual Jardim Botânico), e os últimos quarenta, em Antonina, na casa deste jardim mágico. Em 2013 ela adoeceu e em dezembro daquele ano os seus filhos a levaram para o referido hospital em Curitiba. O Sr. Arsenio, apesar de ser muito apegado a Antonina, foi solidário e a acompanhou a Curitiba. Depois da morte da Maria, os filhos dela o colocaram num asilo de idosos em Curitiba. Três meses depois da morte da sua companheira, ele também faleceu, com a idade de aproximadamente 98 anos. Eles estão enterrados em Curitiba: Maria no Cemitério Municipal de Água Verde e Arsênio no cemitério Parque Iguaçu (bairro Mercês).
Não conheci Maria, mas para quem olha para dentro deste jardim, a jardineira continua muito presente e viva!
Pela descrição dada pelo Ronaldo concluí que tinha encontrado Sr. Arsenio várias vezes nas minhas caminhadas, na região da Praia de Gomes, Antonina. Ele andava de bengala, curvado e muito lento, e quando eu passava e o cumprimentava, ele parava, se erguia, encarava-me com um olhar intenso e simpático e respondia ao meu comprimento com sinceridade.
Agora eu me faço uma pergunta: qual será o destino da obra deste casal querido? Receio que pode acontecer o seguinte: o próximo residente do terreno, antes de se mudar para o local, vai demolir a casa de madeira, para substitui-la por uma casa de material. Naquela atividade (demolição e construção), o pequeno jardim ficará totalmente destruído.
Espero que o próximo morador seja uma pessoa que respeite a herança e memória deste casal, talvez mantendo a casa de madeira (fazendo a reforma ou reconstrução com delicadeza), porém deixando o jardim na sua gloria atual.
Já que esta circular tem distribuição ampla, o endereço deste jardim não será divulgado, para que a privacidade dos vizinhos seja preservada.
Resultado do levantamento feito em 9 de abril (13:00 a 16:00 h) e 18!--more-->…