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Índios do Litoral também em pé de guerra por direitos

Lideranças indígenas do Litoral do Paraná vão mostrar um pouco da cultura do povo Mbyá Guarani, mas principalmente mostrar que estão mobilizados para barrar o avanço do governo e de sua base parlamentar contra direitos já conquistados.

Nesta quinta-feira (25), a partir das 19h, o Campus Paranaguá do Instituto Federal do Paraná sedia o I Encontro Indígena do Litoral do Paraná: Cultura, direitos e resistência. O evento contará com a presença de lideranças indígenas de aldeias de Antonina, Paranaguá e Pontal do Paraná, além de indigenistas da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O encontro terá ainda uma mostra de fotografias etnográficas feitas em aldeias guarani do litoral do Paraná e uma feira de artesanato indígena com colares, pulseiras, brincos, cestos de palha e animais talhados em madeira.

No final de abril, diversos povos indígenas ocuparam Brasília com o Acampamento Terra Livre, na maior mobilização já realizada nas 14 edições do evento.

Eles protestaram contra o congelamento dos gastos sociais já aprovado e consolidado pelo governo Temer e por iniciativas como o Projeto de Lei 4.059, na Câmara, que permite a venda de terras a grupos estrangeiros.

Para as lideranças, a maior ameaça está na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere do Poder Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. O avanço do governo e do Congresso acabou repercutindo no aumento da violência contra aldeias.

Invasão e extermínio voltam a rondar povos nativos

Domingo, 30 de abril de 2017. Indígenas da etnia Gamela sofrem um violento ataque no município de Viana, interior do Maranhão. Mais de 10 indígenas foram feridos e 3 foram internados em estado grave. Alguns foram atingidos com tiros nas costas, coluna, cabeça e rosto e ainda tiveram as mãos decepadas e os joelhos cortados com facões. A luta pela defesa do território Gamela no Maranhão é marcada por perseguição, ameaça e morte: somente ao longo de 2016 foram registradas 196 ocorrências de violência, 13 indígenas foram assassinados e 72 estão ameaçados de morte.

Sábado, 29 de agosto de 2015. O corpo de um indígena é encontrado jogado no chão. Coberto por sangue e com três tiros, o assassinato revela mais um episódio na difícil luta dos indígenas da etnia Guarani Kaiowá pela manutenção de seu território no interior do Mato Grosso do Sul, estado do Brasil que detém o primeiro lugar em violência contra indígenas. O ano de 2015 traz números estarrecedores: 12 tentativas de homicídio, 12 ameaças de morte, 5 casos de lesão corporal, 9 casos de violência sexual, 08 de abuso de poder e 25 assassinatos de indígenas.

Domingo, 20 de abril de 1997. Madrugada quase fria na capital do país. O indígena pataxó Galdino Jesus dos Santos estava em Brasília para comemorar o Dia do Índio. Como não dispunha de recursos financeiros para cobrir seus gastos com hospedagem, Galdino teve que ir dormir em um banco de parada de ônibus. As comemorações do abril indígena tiveram fim naquele momento para Galdino Pataxó: cinco jovens de classe média alta jogaram gasolina e atearam fogo sobre o corpo do indígena que acordou desesperado em chamas e morreu no hospital poucas horas depois com 95% do corpo queimado. Galdino entrou para uma terrível estatística que coloca o Brasil entre os países onde mais há violência contra a vida e a tradição de indígenas.

Os quinhentos anos que se seguiram aos primeiros contatos entre o colonizador europeu e os povos originários que habitavam as Américas antes da chegada de portugueses e espanhóis foram escritos com letras de sangue em um livro dedicado à violência.

As tentativas de escravização de indígenas, a destruição de comunidades inteiras, a prática de uma violência simbólica representada pela conversão sistemática de indígenas à religião do colonizador branco, as expulsões forçadas de terras tradicionalmente ocupadas no interior de florestas ou às margens de rios, enfim, há todo um repertório de extermínio que atravessa a escrita da história do Brasil e chega aos dias de hoje, mais de quinhentos anos depois, revestido com a mesma cor de sangue, o que nos permite falar em uma institucionalização política contrária aos direitos indígenas por parte do Estado brasileiro.

As ações da bancada ruralista na Câmara e no Congresso em Brasília, as anulações de terras indígenas que já tinham sido demarcadas, as recentes investigações federais que propõem o indiciamento em massa de antropólogos, indigenistas e lideranças indígenas são alguns exemplos de situações que ilustram o atual cenário enfrentado pelos povos indígenas no país: um contexto de insegurança jurídica que induz ao aumento da violência como a que recentemente vimos no interior do Maranhão.

É nessa conjuntura que apresentamos o I Encontro Indígena do Litoral do Paraná, realizado no dia 25 de maio de 2017. Com o tema Cultura, direitos e resistência, a edição de 2017 terá a participação de lideranças indígenas da etnia Mbyá Guarani e de indigenistas da Fundação Nacional do Índio (Funai), os quais estarão reunidos no Instituto Federal do Paraná, em Paranaguá, para debaterem com alunos, professores e demais interessados um tema que está na ordem do dia, pelo teor de relevância e urgência que carrega: não podemos permanecer inertes à destituição de direitos arduamente conquistados.

Direitos que traduzem uma cultura e modo de ser e viver específicos.

Direitos que estão na Constituição Federal de 1988.

Nós vamos resistir.

Paranaguá, 22 de maio de 2017 – Manifesto do I Encontro Indígena do Litoral do Paraná

Protesto e repressão durante Acampamento Terra Livre em abril de 2017 –
José Cruz/Agência Brasil
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