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Caiçaras: a sina da estupidez

Roberto j PuglieseVivendo na costa atlântica desde o sul do Rio de Janeiro, por toda a extensão da orla paulista e paranaense, habitando ilhas isoladas, grotões e aldeias perdidas nos contrafortes da Serra do Mar, os caiçaras são constituídos por grupos tradicionais de pessoas que vivem ligados entre si, por um modo diferenciado de comportamento social nessa região. Íntimos do mar e muito próximos da natureza, que ao longo dos quinhentos anos de história, a mantiveram preservada, formam um povo pacífico e que conservam saberes adquiridos por gerações.

São encontrados apenas nesse espaço geográfico, não se confundindo com os demais habitantes do extenso litoral brasileiro.

Segmento cultural destacado por suas características peculiares, tradicionais e históricas que os distinguem salientemente de outros grupos sociais, dada as condições singulares de seus costumes e modos de suas vidas, os caiçaras lutam para sobreviverem nessas condições e região. Luta sem trégua.

Pouco a pouco, a olhos vistos, os caiçaras estão desaparecendo. Lamentavelmente, verdadeiro genocídio social imposto pela sociedade consumista, ávida pela exploração humana e do lucro, gerado pela inversão do capital. Com suas características mansas, calmas e típicas de sociedades rurais isoladas, escondidas nas clareiras de Mata Atlântica, em praias antes desertas, com aptidões para produção artesanal em terra e no mar, não conseguem competir e perdem seus espaços dia a dia.

Viviam à beira do mar, dos rios, das praias, das enseadas e nos últimos 50 ou 60 anos foram sendo expulsos de seus domínios e desaparecendo, dando lugar a hotéis, casas de turistas, restaurantes, prédios comerciais e construções das mais variadas, em quase toda a região.

São raros os núcleos de autênticos caiçaras que ainda sobrevivem, herdeiros de gerações tradicionais que assentaram e constituíram a cultura regional própria desde tempos coloniais.

Tanto faz contar a história do caiçara do Ariri, distrito de Cananéia, ou de Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá, pois o drama será idêntico ao do caiçara de Guaraqueçaba ou de Angra dos Reis… mudam os nomes, o lugar e a intensidade, porém a violência é semelhante em todo o litoral.

Com a abertura de rodovias, o incentivo ao turismo, a valorização de áreas privilegiadas, o investidor, inclusive estrangeiro, por bagatelas, comprou áreas privilegiadas, fazendo com que o caiçara autêntico, habitante tradicional, se afastasse do mar. Em suma é essa a história que se deu na costa apontada. É a história dos ilhéus da Ilha Grande, da Ilhabela, da Ilha Comprida. É a história da migração desorientada de famílias que foram encher as periferias de Resende, Volta Redonda, Santos, Cubatão, Paranaguá, São José dos Campos, Taubaté, Registro entre tantas outras cidades, provocando a desqualificação social, a violência e outras mazelas dos dias de hoje.

Ilhas se transformaram em parques e autoridades públicas expulsaram seus habitantes, através de proibições e limitações esdrúxulas inibindo práticas herdadas de seus antecessores, como se testemunha na Ilha do Cardoso, no Superagüi, nas Peças e outras menores.

Salve-se quem puder.

Também são notórios os casos de esbulho, falsificações documentais, incêndios criminosos nos cartórios e foros desses lugares então remotos… causando prejuízos superiores a valores financeiros, inclusive a perda de vidas, como é sabido e prolatado.

Caiçaras inocentes foram ludibriados por gananciosos que não pouparam meios para expulsá-los de seus sítios tradicionais, muitas vezes, com os olhos fechados de magistrados coniventes ou simplesmente injustos.

Vale lembrar que o litoral paranaense na época do governo Lupion, foi partilhado, dividido, repartilhado e subdividido tantas vezes, cujos conflitos fundiários decorrentes são sentidos até hoje, provocando pilhas e pilhas de processos nos foros locais…

Enfim: o caiçara sumiu. Pobre, ameaçado, descaracterizado, emigrou, deixando para trás sua história e de seus antepassados. Seguindo perambulando sem destino para lugar nenhum. Agredidos moralmente e fisicamente de todos os modos.

Lamentavelmente a triste realidade de um povo desamparado.

Roberto J. Pugliese é autor de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos, Letras Jurídicas.
www.pugliesegomes.com.br
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