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Justiça em dobro: agora é por Mateus e por Erisson

O protesto pela morte de Mateus e, no canto direito, com uma faixa amarela, Vania, a mãe de Erisson, também pede justiça

 

Dona Vânia disparou a falar e, aos poucos, foi silenciando o coro no final do protesto pela morte do jovem Mateus Lima, na tarde deste sábado (11), nas escadas da Igreja Matriz, em Guaratuba.

Ela também queria contar sua história, reclamar sua justiça e por pra fora a dor de uma mãe que também perdeu um filho de forma violenta. Conseguiu que todos a ouvissem, conquistou solidariedade e, talvez, apoio para investigar a fundo as circunstâncias da morte de Erisson Rodrigues Silva Lisboa, morto por policiais militares, na noite do dia 29 de dezembro.

Vânia Rodrigues Gonçalves, de 45 anos, a nora Franciele da Silva (esposa de Erisson), de 25 anos, filhas e amigos acompanharam a passeata de protesto pela morte de Mateus Lima Ferraz, que completaria 19 anos nesta sexta-feira (10), um dia antes de sua missa de 7º dia – celebrada após a manifestação.

Ficaram no fundão da passeata, mas não ficaram escondidas. Carregavam um grande cartaz pedindo justiça em dobro: para Mateus e para Erisson. Vânia protestou do começo ao fim nos três quilômetros de ida e volta da Matriz até a Praia Central. Pedia “Justiça” e “Liberdade de Expressão”.

Morte de Mateus causou comoção e ganhou repercussão nacional

O protesto “Justiça por Mateus Lima” reuniu quase a metade das 363 pessoas que confirmaram presença pelo Facebook. Mas também arrancou aplausos, acenos e buzinadas de apoio de dezenas de pessoas durante o trajeto.

A passeata teve a proteção de dois carros da Secretaria Municipal de Segurança Pública e foi acompanhada discretamente por pelos menos dois policiais militares à paisana; ambos vestidos de camiseta cinza caminharam pela calçada na ida e na volta.

A morte de Mateus chocou toda a sociedade guaratubana. Ele foi morto após uma perseguição policial. A PM divulgou a versão de que Mateus teria dado três tiros contra os policiais e ainda apresentou uma arma e drogas que estariam com o rapaz. Familiares, amigos e muitos conhecidos da família contestam. O rapaz era trabalhador, a mãe, Luciane Lima Ferraz foi conselheira tutelar e o avô, sub-tenente Rubens Franco Ferraz, fundou e presidiu a Guarda Mirim de Guaratuba durante décadas.

A morte ganhou repercussão nacional com uma reportagem da jornalista Adrieli Evarini, de Joinville, no site Ponte Jornalismo – parceiro da revista Carta Capital e da Agência Pública. Leia aqui o mais completo relato sobre a morte de Mateus Lima: Testemunhas dizem que PMs executaram adolescente de 18 anos

Na reportagem, testemunhas relatam que Mateus não estava armado, conforme relataram os policias militares e também revela o nome dos policiais – o tenente Sérgio Antônio Merege e o soldado Erickson Luis Veras, segundo a repórter. Também revela que Mateus possivelmente foi colocado na ambulância com apenas um tiro nas nádegas – ele chegou morto ao Pronto Socorro Municipal com um tiro no peito também.

Além da profusão de testemunhas mostradas, a matéria lança mais uma suspeita sobre o estranho trajeto da ambulância até o atendimento médico. Os socorristas do Siate teriam sido retirados do veículo ou assistiram toda ação dos policiais.

O homicídio está sendo investigado pela Delegacia da Polícia Civil de Guaratuba e a Corregedoria da PM abriu um Inquérito Policial Militar para apurar as responsabilidades.

Família de Erisson diz que ele foi arrastado

O caso de Erisson tem diferenças, apesar do relato feito pela família de que também teria ocorrido execução. O rapaz, 22 de anos, já teve passagem pela Polícia – uma por roubo, que a família diz que ele não participou; outra por tráfico. Mora em uma região pobre e violenta do bairro Cohapar II, apelidada de “Faixa de Gaza”.

A imprensa, incluindo o Correio do Litoral, divulgou apenas a versão policial da morte: teria havido confronto e o rapaz morreu na troca de tiros com os policiais. Foi mais uma das dezenas de mortes que acontecem todos os anos em Guaratuba – 34 em 2016 – a maioria de jovens e de suspeitos de envolvimento com o tráfico, e que são comemoradas por algumas pessoas no Facebook como “um bandido a menos”.

De acordo com a família, a morte de Erisson tem muitas semelhanças com a de Mateus. Segundo a versão publicada no site da Polícia Militar do Paraná, “os policiais seguiam pelo bairro Cohapar quando algumas pessoas, suspeitas de envolvimento com o comércio de drogas, ao notarem a presença da viatura efetuaram disparos de arma de fogo. Houve o revide da equipe da PM e um dos suspeitos veio a óbito. Outros cinco foram abordados e presos”. Fonte: PMPR. 

Segundo a família, a polícia chegou na sua rua e invadiu as casas com “o pé na porta”. Erisson, que, como outros, correu quando viu a ação violenta e foi perseguido. Foi agarrado e arrastado até o mato próximo. Lá, segundo pessoas contaram à Vânia, teria sido torturado e executado como exemplo. Dona Vânia conta que o atestado de óbito revela que o filho morreu por “asfixia e afogamento” e não faz referência “aos quatro tiros que levou” – asfixia mecânica é o termo da medicina legal para interrupção de entrada de ar nos pulmões; afogamento é a entrada de líquido no pulmão, que pode ser sangue. Vãnia também diz que o corpo do filho tinha várias marcas de agressão.

Solitária, a família chegou a protestar na rede social, sem conseguir chamar a atenção. Retomou a luta por justiça quando morreu Mateus. Dona Vânia chegou a ir ao velório do jovem e postar comentários nas postagens dos amigos de Mateus.

Se depender de dona Vânia, de Franciele e das pessoas que a procuraram no final da passeata – elas pediram para não serem identificadas –, se depender da solidariedade manifestada pela família e por amigos de Mateus Lima, Erisson, quem sabe, não será “um a menos”, nem uma morte a mais em Guaratuba.

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