Autista e disléxico, Lucas conclui Licenciatura em Artes na UFPR Litoral
O nome dele é Lucas Fernandes Dalcin. Nasceu em Piracicaba (SP), há 26 anos, e mora em Matinhos há sete. Nesta sexta-feira (23), Lucas apresentou seu trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em Artes no Setor Litoral da UFPR.
Uma conquista para qualquer estudante, mas que, para ele teve um sentido ainda mais especial, porque Lucas é autista e disléxico. Caçula de uma família de três irmãos (os outros dois, Thiago e Camila, já são casados e moram no exterior), ele também foi o primeiro do grupo a obter formação universitária.
Sensível às questões sociais, Lucas formulou seu TCC (orientado pela professora Luciana Ferreira) baseado em um tema de fundo humanista: “Idosoteca – possíveis benefícios de um espaço lúdico”, que propõe a criação de oficinas de artes em casas de repouso para idosos, possibilitando a integração entre eles e a sociedade. Recebeu nota máxima da banca – APL (Aprendizagem Plena) – e elogios à qualidade do trabalho dos avaliadores Elaine Arns e Anita Brito.
“Espero que isso estimule outros estudantes a frequentar uma faculdade e chegar onde cheguei”, diz Lucas, que planeja trabalhar na implantação do projeto para os idosos, ser professor e continuar seus estudos. “Vou continuar estudando e fazer uma pós-graduação”, diz.
Lucas teve sua trajetória acadêmica acompanhada de perto pela equipe da Seção de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis do Setor Litoral (Sepol), em parceria com o Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (NAPNE).
Jornada difícil
Não foi nada fácil a jornada que levou o jovem do interior de São Paulo à conquista do sonhado diploma. Mesmo tendo um grau leve de autismo, Lucas enfrentava problemas, o que levou sua família e em especial a mãe, Silvana Albertina Fernandes Dalcin, a querer sair de Piracicaba. Ela planejava o melhor para o filho. “A conquista que o Lucas obteve agora vem desde o dia em que ele nasceu. A gente vem tentando que ele tenha uma vida normal desde sempre”, conta.
Lucas sempre estudou em escolas adventistas que, mesmo oferecendo educação diferenciada em relação às demais, trataram o menino sem distinção. Mas ele não se contentou com isso. Decidiu trabalhar – e foi contratado para atuar na secretaria do colégio. “Ele sempre foi dedicado e um bom aluno. Quem não conhece o Lucas acha que ele é tímido mas, dentro da sala de aula, ele se solta. Ele gosta de estudar e de dar aula”, conta a mãe.
Atropelos e persistência
Antes de fixar residência em Matinhos, porém, a família decidiu morar em Londrina, no Norte do Paraná. Lá, decidiu arriscar vida nova, no Litoral do Estado. Lucas queria estudar em uma instituição de ensino superior de qualidade e, paralelamente, usar suas habilidades para as artes. Daí para a escolha do curso foi um passo.
Não sem antes sofrer muitos atropelos. Em 2012, ele tentou aprovação no vestibular para o curso de Artes, mas sem usar a cota reservada a pessoas com deficiências. Tinha medo de sofrer bulling. Para apoiá-lo, Silvana também prestou o vestibular – e passou. Lucas, ainda não; foi incluído em uma lista de espera.
Persistente, porém, decidiu aceitar o convite da UFPR para ser aluno-ouvinte. Depois, cursou módulos isolados. Tentou ser aprovado pelo processo seletivo mais três vezes. Passou em 2015, em primeira chamada. Sua simpatia e companheirismo facilitaram a boa acolhida junto aos colegas. Concluiu o curso em 2017 porque conseguiu validação das matérias que tinha cursado desde 2012.
Apoio, mas com respeito à autonomia
Silvana Dalcin cursou Artes, basicamente, para incentivar Lucas. Mas, apostando na autonomia do filho, evitava fazer trabalhos em grupo com ele. “Eu sempre ajudei o Lucas. Discutíamos muito os trabalhos e eu lia textos para ele. Mas o Lucas fazia trabalhos como qualquer aluno. A partir do momento em que me formei, em 2016, ele passou a ter dois bolsistas (uma estagiária do curso de Artes e uma pedagoga), que atuam como seus tutores”, conta ela, orgulhosa da conquista do filho.
Lucas defendeu seu trabalho de conclusão de curso nesta sexta-feira, mas a colação de grau ficou para 6 de setembro, na própria UFPR. Agora graduado, ele não pretende parar. Quer trabalhar com o seu projeto para os idosos ou com crianças pequenas. “O sonho dele seria montar uma casa de idosos para trabalhar com eles”, conta a mãe. “Foi uma luta boa, e fico muito feliz e orgulhosa que ele tenha conseguido chegar ao final.”
Texto: Aurélio Munhoz / UFPR