Comunidade do Cubatão um ano após o ciclone bomba
Um pouco da história de quatro famílias e como elas superaram essa adversidade
A grande comunidade do Cubatão, município de Guaratuba, nela compreendida as comunidades de Rasgado, Rasgadinho, Limeira, Caovi, Pai Paulo, Taquaruvu, Rio do Melo, Vitório e Ribeirão Grande/Canavieiras, tem cerca de 600 unidades familiares. Este número não se refere aos estabelecimentos agropecuários e sim às unidades produtivas, pois um estabelecimento pode abrigar até cinco famílias de agricultores familiares (IBGE, 2006).
O município de Guaratuba, com área total de 1.325,883 km2, tem no Cubatão sua maior área agrícola, sendo o maior produtor de banana do estado do Paraná, com produção, segundo a Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab), em 2019, de 82.500 toneladas, gerando uma receita de R$ 69.862.650,60 (VBP/Seab, 2019). São aproximadamente 70 milhões de reais circulando no município contribuindo para a geração de emprego, renda e qualidade de vida das famílias guaratubanas, no incessante desafio de conciliar a relação sociedade e natureza O Cubatão está inserido na Unidade de Conservação – UC, Área de Proteção Ambiental – APA de Guaratuba.
O fenômeno meteorológico ocorrido entre os dias 30/06 e 01/07 de 2020, completa um ano, e seus efeitos ainda são sentidos, sobretudo porque ocorreu em um período no qual se enfrentava as complicações decorrentes da pandemia da covid-19, cuja dificuldades impostas ao consumo. Inclusive de alimentos como a banana, em razão de não ser considerada um gênero de primeira necessidade, com os impactos sobre a economia, muitas pessoas tiveram de concentrar suas compras nos alimentos essenciais e as frutas deixaram de ser.
O ciclone bomba, com ventos que, de acordo com o Simepar (Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná), alcançaram velocidade de mais de 100 km/h, ocasionou diversos prejuízos, entre eles queda de árvores na rede elétrica, acarretando quebra do fornecimento de energia às famílias, casas e barracões destelhados, além de alguns que desabaram.
Contudo o maior estrago foi sobre a produção de banana, com perdas de 90% no caso da banana nanica, também conhecida como caturra (Musa spp, subgrupo Cavendish), maior variedade plantada, além de perdas sobre as palmáceas e diversas outras culturas. Os agricultores familiares participantes de programas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), foram abruptamente afetados.
O objetivo do texto é dialogar a respeito da capacidade de regeneração da vida, sobretudo das pessoas que vivem no campo e são afetadas pelos desastres naturais e suas capacidades de regeneração, com suas trajetórias de vida memoráveis. O desejo seria visitar cada um dos moradores, porém não seria um texto.
Aqui, conta-se, brevemente, a história de quatro encantadoras famílias, cada uma com suas particularidades no contorno das adversidades numa vida entrelaçada na agricultura e na superação de obstáculos – pois, como se não bastasse, no dia 28/05 deste ano, a região foi atingida, novamente, por fortes ventos, e algumas culturas que começavam a regenerar-se caíram novamente.
FAMÍLIA STOLF
Tão receptiva e acolhedora família. O Sr. João Stolf é aquele tipo pacato, hospitaleiro e um profundo contador de história, para quem gosta da vida rural, como eu, ouviria por tempo indeterminado.
João Stolf, 70 anos, nasceu em Rodeio-SC, tem descendência italiana, iniciou os trabalhos no campo desde muito cedo, começando pela cultura do fumo e outras para o consumo familiar como milho, arroz, feijão, mandioca etc. Em 1972, passou a dedicar-se à cultura do arroz, posteriormente à cultura da banana, aproximadamente no ano de 1981. São 40 anos de trabalho dedicados ao cultivo da banana, imagine o quanto ele conhece sobre a atividade.
Ele começou a trabalhar com a banana ainda em Rodeio, porém em 1987, em busca de terras e condições melhores para trabalhar com a cultura da banana, encontra no Cubatão o espaço ideal para implementar seu projeto e mudou-se juntamente com a família para a região. João fala das muitas mudanças por que passou a agricultura. Quando ele iniciou como arroz utilizava cavalo na produção e o processamento era todo manual, “uma saca de arroz produzida daquela forma deveria custar R$1.000,00” era muito trabalho embutido. Depois veio a tobata (micro trator) e hoje desfrutam das muitas inovações tecnológicas no cultivo.
João conta com as filhas Elaine e Daniela no estabelecimento agropecuário. Aliás, existe uma particularidade encantadora nesta família quanto à distribuição dos papéis familiares entre homens e mulheres. Ela não segue o “padrão” do campo brasileiro na disposição das funções.
Na família Stolf, Elaine, a primogênita, assumiu o papel administrativo dos negócios da família – é bonito ver como João se refere à filha, com louvor ao trabalho dela e o que contribuiu para formar.
ELAINE STOLF
Agricultura, amor e esperanças gestadas de pai pra filha, pra netas…
Tarefa difícil falar de Elaine Cristina Stolf Correa, um ser tão encantador, 37 anos, engenheira agrônoma.
Trabalha com agricultura desde muito cedo, vindo a assumir a gestão administrativa e produtiva do estabelecimento familiar de forma integral após a graduação, podendo colocar em prática os conhecimentos adquiridos na propriedade e na comunidade.
No ciclone bomba, os Stolf tiveram perdas na produção em torno de 50%. Devido ao fato de produzirem banana prata (Musa spp subgrupo prata), ainda que as bananeiras não tenham tombado, os cachos sofreram avarias, que para a comercialização, em função da aparência dos frutos, os preços são reduzidos drasticamente. Além de que, para a safra seguinte haverá queda na produção decorrentes dos danos às folhas.
Ela, como a maioria de nós mulheres, é multitarefa, cuida da produção e da comercialização, da família, da casa, dos amigos/as, da associação de produtores, desdobrando-se entre as muitas atividades, porém todas com um primor extraordinário. Elaine é alegria, ternura e simpatia perambulando pelo nosso município.
Com uma capacidade invejável no bom relacionamento com todos/as, no trato com aqueles que prestam serviço na propriedade, referindo-se a eles como colaboradores, mostrando respeito com o outro, no cuidar com amor da produção, no passar uma mensagem de esperança em torno do que faz, afinal produzem bananas de excelente qualidade, devido aos cuidados dedicados à produção.Um indicativo disso são as abelhas no meio do cultivo.
Estabelecidos numa residência com vista panorâmica de serras, lagos e outros animais, a família Stolf representa uma linda história do campo brasileiro, de gentes que constrem este Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste, com muito trabalho, sonhos e dignidade. Ainda que as adversidades se manifestem, seguem confiantes, contornando-as, produzindo alimentos, ideais e esperanças.
FAMÍLIA SOUZA
Valdir Machado de Souza, 39 anos, agricultor familiar em um estabelecimento de 10 hectares, em geral, ele precisa ser estimulado para falar. Mas quando o assunto é sobre a produção de banana é exímio em explicar cada processo, cada detalhe, apreendido ao longo dos 28 anos dedicados à cultura da banana. Nesta área o homem cresce, está no ambiente que entende, sente-se reconhecido por isso.
É um aprendizado partilhar alguns momentos no bananal com Valdir, com sua simplicidade, com seu trabalho, com sua garra e capacidade de acreditar e recomeçar.
Ele perdeu 100% da produção de banana no ciclone bomba em 2020, em razão de cultivar banana nanica, mais suscetível aos fortes ventos. Mas replantou a mesma variedade, pois, a produção dele é voltada para programas, por exemplo, o PNAE, que, para os pequenos agricultores, além da garantia da comercialização, os preços são bons, tendo sido um alento para esta categoria, em vista das dificuldades de adentrar à concorrência do mercado.
No entanto, no dia 28 de maio deste ano, a produção sofreu um novo prejuízo devido aos fortes ventos ocorridos no local. Esta região é marcada por este tipo de fenômeno climático, havendo a necessidade de criar condições que evitem ou minimizem tais impactos.
Mesmo com todas as dificuldades, ele permanece lá, alegre, colhendo e re-plantando bananas, como alguém que sabe que tem de continuar e não há tempo de parar, precisa seguir com esperança do verbo esperançar, segundo o educador Paulo Freire, de se levantar, de ir atrás, de construir, de não desistir, de levar adiante, e assim, ser sujeito da da história da construção de dias melhores.
FAMÍLIA ARNOLD ROCHA
Ronaldo Arnald Rocha, 41 anos, veio do sul de Santa Catarina com os pais, há 32 anos, em busca de trabalho e melhores condições de vida e encontrou no Cubatão o local ideal para crescer e constituir sua família.
Inicialmente, seus pais dedicaram-se à produção de arroz e conseguiram se manter por muito tempo, porém com a crise dos preços do produto nos anos de 2004/05, pararam de produzi-lo e se dedicaram à produção de banana.
Sofreram muitas perdas no ciclone bomba de 2020: 100% do bananal e maracujá e 50% do palmito pupunha, além do telhado. Em visita que fiz ao estabelecimento familiar pós-ciclone, pelo governo municipal, foi desolador perceber o estado emocional da família, devido às perdas econômico-financeiras. No entanto, ainda que abalados, repetiam sempre, “é um momento difícil, mas estamos vivos, vamos recomeçar”.
E recomeçaram. Três meses depois re-plantaram o bananal, porém na última tempestade (28/05/2001), voltaram a sofrer perdas de aproximadamente 50% do bananal, contudo o palmito foi pouco atingido, de maneira a garantir a produção da família.
No momento, o palmito está sendo a melhor alternativa em razão da baixa demanda da banana pelo PNAE, agravada pelo baixo consumo no período da pandemia. Mesmo diante deste quadro a família não para, seguem firmes, sentem-se realizadas naquilo que fazem.
Ronaldo teve a oportunidade de sair do campo para a cidade, mas preferiu ficar, pela satisfação de produzir um alimento de qualidade para a sua família e para os consumidores que adquirem os seus produtos.
FAMÍLIA GADOTI
Rodolfo Gadoti, 51 anos, também natural de Rodeio-SC, está no Cubatão há aproximadamente 33 anos.
De origem no campo, já se aventurou em um trabalho na cidade, quando ainda era bem jovem, porém suas raízes o chamaram de volta. Foi quando resolveu vir ao Paraná.
Quando chegou trabalhava como parceiro. Atualmente pertence ao pequeno grupo dos agricultores com área acima de 20 módulos rurais. Sente-se muito grato à comunidade e ao município como um todo. Foi muito bem acolhido, possibilitando que ele tenha se estabelecido “de empregado, hoje sou patrão”, diz Rodolfo.
Produz pupunha, eucalipto e arroz, todavia o carro chefe são as bananas prata e nanica. Na época do ciclone bomba contava com cerca de 40 funcionários, porém com os prejuízos teve de dispensar os terceirizados, mas manteve os trabalhadores com carteira assinada.
Levou um tempo para se recuperar dos estragos do ciclone. O financiamento no banco foi um importante auxílio em um momento tão difícil. Rodolfo diz ser um privilégio morar neste local, embora enfrentem dificuldades, como quedas de energia frequentes. Ainda que a Copel tenha investido em melhorias, essas não têm se manifestado na qualidade dos serviços. No caso da internet, necessidade cada vez maior – fundamentalmente, no tocante à comercialização, conduzida em boa parte pela esposa Luciana – , a qualidade dos serviços ainda é muito ruim.
Para aqueles que consomem seus produtos (banana, arroz e pupunha), diz: “consumam sem medo, são produtos de qualidade, e ainda que pareçam caros, são muito baratos para quem produz”. Há muito trabalho contidos neles, os consumidores são parte da cadeia dos alimentos, são laços entre campo e cidade, onde ambos são faces mutuamente necessárias e complementares.
Seu filho Rodrigo Gadoti, 22 anos, segue os passos do pai no trabalho no campo. Que a nova juventude possa dar continuidade ao trabalho e o amor pelo mundo rural, onde espera-se sejam proporcionada condições dignas de se manter, com cultura, arte, lazer, educação e demais facilidades necessárias ao bom desenvolvimento do ser humano.
Que morar/viver no campo seja sinônimo de identidade de homens e mulheres que se desenvolvem atuando sobre a natureza externa e modificando-a por meio do trabalho ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.
E nessa simbiose vão construindo novas histórias e novas identidades, que nós saibamos que há um tanto de trabalho e de sonhos destas famílias em cada alimento que consumimos, conhecer as suas histórias nos inspiram a amar esta terra e esta gente.
A história da agricultura caminha com a história da humanidade, com seus avanços e descobertas. Caminhando lado a lado, o ser humano cresce com a agricultura e a agricultura cresce com ele, e assim, compartilhando espaços na terra seguimos fazendo a nossa história ao nosso tempo.
Maria Wanda de Alencar é engenheira agrônoma da Prefeitura Municipal de Guaratuba e pesquisadora.