Defensoria lança Observatório da Violência contra as Mulheres Indígenas
Neste Dia dos Povos Indígenas (19 de abril), a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) lança, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), o Observatório da Violência contra as Mulheres Indígenas no Estado do Paraná.
A data marca, formalmente, o começo de uma articulação permanente da Defensoria para a construção de respostas às situações de violências de gênero vividas por mulheres indígenas dentro e fora de seus territórios. O Observatório é uma demanda das próprias indígenas trazida à DPE-PR. Em maio, haverá o primeiro encontro do Observatório e reunirá várias lideranças indígenas e outras instituições. A data será divulgada em breve.
“A gente começou a receber desde o final do ano passado muitas demandas de mulheres indígenas que estão sofrendo uma série de tipos de violência em seus territórios e fora deles”, explica a coordenadora do Nudem, Mariana Nunes. “São mulheres que, por se posicionarem nas suas comunidades, estavam sendo expulsas. E a expulsão da comunidade é a expulsão delas e de toda a família, que sai com a roupa do corpo, deixando tudo para trás”.
A falta de dados sobre as violências sofridas por mulheres indígenas foi o que levou à ideia da criação de um Observatório, que vai ter a função de registrar casos já relatados informalmente e que mostram situações de vários tipos de violências: física, sexual, patrimonial, política, obstétrica, simbólica e psicológica. O Observatório também é uma resposta à reclamação das mulheres indígenas de não se sentirem representadas nas instâncias de poder e tomada de decisão.
“Fizemos uma roda de conversa em novembro do ano passado e elas compartilharam um pouco dos desafios em não se verem reconhecidas nas legislações de proteção às mulheres ofertadas às mulheres brancas, além de terem as definições sobre as violações sofridas por elas definidas, em última instância, por homens em posição de liderança na aldeia”, recorda a assessora do NUDEM, Camila Daltoé.
Na ocasião, foram coletados os contatos das mulheres presentes para uma maior aproximação entre elas e criação de uma rede de apoio para enfrentamento das violências. No mês passado, o NUDEM e a Ouvidoria da DPE-PR, junto com mulheres indígenas e representantes de movimentos sociais reuniram-se com a secretária nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, Rosane da Silva, para discutir soluções para as violações de direitos que as mulheres indígenas enfrentam no Paraná. Uma das primeiras medidas adotadas pelo NUDEM foi a criação de um formulário para receber as denúncias formalmente.
Registro online de violência contra mulheres indígenas
O formulário está disponível no site da Defensoria Pública e vai coletar dados de violências cometidas contra mulheres indígenas no Paraná com o objetivo de subsidiar a elaboração de políticas públicas específicas para a prevenção e enfrentamento das violências de gênero contra essas mulheres.
Será possível registrar a denúncia como vítima ou como testemunha. Quem fizer a denúncia deve preencher informações como nome completo da vítima, etnia a qual pertence, quais violências foram praticadas, se a denúncia foi registrada em outro órgão ou instituição e informações sobre onde e quando ocorreram os fatos.
“Como as mulheres indígenas, via de regra, não procuram a rede de saúde ou de segurança pública, a violência praticada contra elas integra o que denominamos de ‘cifra oculta da violência’. Nas conversas que tivemos, muitas relataram que não procuraram a polícia por não compreenderem que o que estavam sofrendo configurasse violência e até crime”, explica a coordenadora do NUDEM. “Nosso objetivo com este formulário é registrar as denúncias para termos dados e levarmos aos governos pedidos de políticas públicas voltadas especificamente para elas”.
“Nossa base estrutural social é de respeito à vida”
Amaue Jacintho, se define como mulher indígena guarani Nhandewa, estudante de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e defensora dos direitos humanos, com ênfase na defesa dos direitos de meninas e mulheres indígenas.
Em 2020, durante a pandemia, acolheu em sua casa um grupo de mulheres e crianças indígenas vítimas de violência e, ao ser identificada como liderança dessas mulheres, sofreu uma emboscada seguida de tentativa de assassinato, segundo ela, organizada pelos agressores denunciados. “Eu estava gestante e fui cercada dentro de casa por mais de trinta pessoas”, relembra, emocionada. Expulsa de seu território, passou a integrar o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.
Em 2021, em artigo publicado na Revista Eletrônica da CEVID – Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) –, ela e a jornalista Vandreza Amante Gabriel sugeriram a criação “de um observatório das violências contra as mulheres indígenas, organizado pelas próprias mulheres indígenas”. Para ela, a concretização dessa ideia é uma “realização imensa”.
“Estamos inseridas em uma atmosfera de crescente violência contra os nossos corpos dentro e fora dos territórios indígenas, fruto de séculos de descaso e negligência do estado brasileiro com os povos indígenas. Agora, o Observatório vai colher os dados das violências e, com eles, vamos conseguir sugerir e promover políticas públicas de prevenção e combate à violência de gênero nos territórios indígenas, e isso é o que nós mulheres indígenas estamos precisando. Nós não estamos mais por nós mesmas, agora vamos ter a quem recorrer, porque a violência contra mulheres indígenas não é cultural, como sugeriram algumas lideranças denunciadas. Nós mulheres indígenas somos as responsáveis por manter um modo de vida que faz a preservação de 85% da biodiversidade do planeta, mesmo sendo apenas 5% da população mundial, e isso só é possível porque a nossa base estrutural social é de respeito à vida”.