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Encalhes nas praias do Paraná confirmam ameaça do plástico à fauna marinha

Projeto de Monitoramento de Praias acompanha os encalhes, que reforçam os impactos do lixo no oceano para biodiversidade marinha
Carcaã de toninha encalhada na praia | foto: LEC-UFPR

O Laboratório de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (LEC-UFPR), que realiza Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS), vem registrando nos últimos meses casos que reforçam uma realidade preocupante: os impactos do lixo marinho, em especial dos plásticos, sobre a fauna costeira.

Entre os animais atendidos, muitas tartarugas-verdes e pinguins-de-magalhães têm chegado ao Centro de Reabilitação, Despetrolização e Análise de Saúde de Fauna Marinha da UFPR (CReD-UFPR) debilitados, muitos com fragmentos plásticos em seus organismos. Essas ocorrências, que se somam a uma década de dados sistematizados pelo laboratório, evidenciam que este problema global possui reflexos na qualidade ambiental no litoral paranaense.

Resgates que revelam o problema

Tartaruga vítima de lixo no oceano | foto: LEC-UFPR

Durante o inverno, época em que o Paraná recebe maior número de encalhes de animais migratórios, a equipe multidisciplinar do PMP-BS registrou diversos indivíduos em condições críticas quanto à saúde, incluindo sinais de interação com resíduos.

No caso das tartarugas-verdes (Chelonia mydas), por exemplo, os fragmentos plásticos ingeridos dificultam a digestão e provocam quadros de subnutrição. A médica veterinária do PMP-BS/UFPR, Carolina Jorge, explica que esse cenário vem se repetindo ao longo dos anos. “Infelizmente, acabamos atendendo vários animais marinhos com plástico, tanto fragmentos rígidos quanto embalagens maleáveis. Já tivemos casos em que o animal chegou vivo ao CReD, mas não resistiu, porque a ingestão de plástico provoca obstruções, inflamações e até a morte. Cada resíduo que chega ao mar pode representar uma sentença de morte para a fauna marinha”, diz Carolina.

Do atendimento à ciência

Cada animal recebido no CReD passa por exames clínicos, laboratoriais e de imagem que permitem avaliar seu estado de saúde e compreender as causas de debilitação ou mortalidade. Esses registros são essenciais para a ciência, pois ajudam a identificar a exposição dos animais a este impacto, a mensurar a presença do lixo no mar, mas também a avançar no entendimento sobre efeitos secundários do plástico à saúde dos animais e de todo o ecossistema (abordagem One health).

De acordo com a bióloga Vitória Iurk, pesquisadora da equipe LEC-UFPR, o plástico libera diversos compostos químicos nos organismos e tem efeitos de curto a longo prazo na saúde e bem estar dos indivíduos. Processos de imunossupressão são relacionados a ingestão de lixo para diversos animais, incluindo para as tartarugas marinhas.

A coordenadora do PMP-BS/LEC-UFPR, Camila Domit, destaca a relevância da coleta adequada dos dados e o investimento em tecnologias para proporcionar melhores análises e diagnósticos no entendimento dos efeitos do lixo no mar. “A poluição plástica faz parte da vida marinha em diferentes escalas, mas compreender os impactos à saúde dos animais e como estes resultados refletem em termos de riscos à saúde humana, é um desafio para os trabalhos futuros. O desenvolvimento de tecnologias e a inovação de processos analíticos são demandas urgentes. Esse conhecimento é fundamental para compreender a dimensão do problema”, explica a pesquisadora. 

Raio X de tartaruga com lixo | imagem: LEC-UFPR

A rotina no CReD e os desafios da reabilitação

O trabalho da equipe integra monitoramento, resgate, reabilitação, produção de conhecimento científico e sensibilização ambiental, envolvendo desde atendimento em campo até o acompanhamento especializado e intensivo no centro, e a devolutiva para a sociedade. Cada espécie demanda protocolos específicos de manejo, alimentação e reabilitação, exigindo dedicação contínua.

Segundo Liana Rosa, bióloga e gerente operacional do PMP-BS/UFPR, os casos recentes reforçam o elo entre a ciência e o cuidado individualizado. “Através do nosso trabalho, buscamos devolver cada animal à natureza, mas também transformar cada atendimento em informação científica, que possa contribuir para compreender os impactos humanos no oceano e auxiliar no desenvolvimento de ações para reduzir essas ameaças”, reforça Liana.

Resíduos sólidos e conchas retiradas do estômago e do intestino | foto: LEC-UFPR

Reflexo de um problema global

A poluição plástica nos oceanos é um desafio mundial. Estima-se que milhões de toneladas de resíduos chegam ao mar todos os anos, afetando desde organismos microscópicos até grandes cetáceos, como os golfinhos e as baleias. No litoral do Paraná, os casos registrados pelo PMP-BS/UFPR mostram que o problema não têm fronteiras e que mesmo áreas remotas e de menor uso humano sofrem com resíduos trazidos por correntes marinhas.

A bióloga e pesquisadora Mariana Lacerda, ressalta que os dados locais precisam ser lidos em escala global. “O que se observa no Paraná é um retrato de uma crise maior. Resgatar e reabilitar animais é essencial, mas precisamos enfrentar a raiz do problema. É necessário rever os processos de produção e consumo e fortalecer políticas públicas que incentivem e garantam a gestão eficiente de resíduos. Só assim será possível assegurar um oceano mais saudável no futuro”, destaca a pesquisadora.

Dez anos de ciência e conservação

Em 2025, o PMP-BS completa uma década de atuação no Paraná, somando-se aos 17 anos de trajetória do LEC-UFPR na região. Neste período, os encalhes e atendimentos realizados integram um vasto banco de dados, utilizado em pesquisas e debates sobre a saúde dos ecossistemas e da biodiversidade marinha. Os dados coletados ao longo dos anos trazem um alerta. “O oceano devolve em cada encalhe um recado claro sobre como nossas escolhas impactam a vida marinha, e cabe à sociedade transformar esses sinais em ação”, completa Camila Domit.

SOBRE O PMP-BS

A realização do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, para as atividades da Petrobras de produção e escoamento de petróleo e gás natural na Bacia de Santos. No estado do Paraná, Trecho 6, a execução do projeto é realizada pela equipe LEC/UFPR (@lecufpr e www.lecufpr.net).


Fonte: LEC-UFPR / jornalista: Ana Cláudia Nunes

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