Mais de 300 tartarugas-verde encalharam no litoral do Paraná em julho
Número representa aumento de 502% em relação ao mesmo período do ano passado

Julho de 2025 terminou com um dado que chamou atenção dos pesquisadores no Litoral do Paraná: 314 encalhes de tartaruga-verde (Chelonia mydas) foram registrados apenas neste mês, um aumento de 502% em relação ao mesmo período de 2024, quando houve 52 encalhes. Os dados são do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS), executado no litoral paranaense pelo Laboratório de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (LEC-UFPR). A equipe realiza o monitoramento diário das praias entre Guaratuba e Guaraqueçaba.
Segundo especialistas, o aumento acompanha uma tendência observada nos últimos invernos, mas os números de 2025 foram especialmente altos. “Estamos diante de um cenário que exige atenção. As tartarugas-verdes são comuns na nossa região, especialmente em sua fase juvenil, e essa concentração de encalhes é reflexo direto das pressões que esses animais enfrentam no ambiente marinho”, afirma Camila Domit, coordenadora do PMP-BS/UFPR.
Tartaruga-verde: espécie residente e vulnerável
A tartaruga-verde é considerada residente temporária no litoral do Paraná, permanecendo na região principalmente durante sua fase juvenil, em busca de alimento e desenvolvimento. Durante esta fase da vida, os indivíduos são “onívoros”, ou seja, se alimentam de peixes, lulas, mas também de algas, propágulos de mangue e gramas marinhas, desempenhando papel fundamental no equilíbrio dos ecossistemas costeiros.
Na fase adulta, a tartaruga-verde se torna uma das maiores espécies de tartarugas marinhas, podendo atingir quase 1,5 metro de comprimento e cerca de 230 kg. Neste estágio, sua dieta é predominantemente herbívora, composta principalmente por algas e gramíneas marinhas.

A espécie está classificada como vulnerável à extinção no Estado do Paraná, conforme o Decreto Estadual nº 6.040/2024. Por isso, além de sua relevância ecológica, o monitoramento e a proteção desses animais constituem obrigações legais e científicas. Uma das principais ações resultantes desses compromissos, no âmbito das políticas públicas brasileiras, é o Plano de Ação Nacional para Conservação de Tartarugas Marinhas.
Inverno, frentes frias e desafios ambientais
Durante os meses de inverno, as frentes frias provocam alterações significativas nas condições oceânicas, como a queda na temperatura da água, mudanças na salinidade, nos ventos de superfície e o redirecionamento das correntes marinhas. Essas transformações impactam diretamente as tartarugas marinhas, afetando sua capacidade de locomoção e a busca por alimento. Como consequência, muitos indivíduos, especialmente os juvenis, tornam-se mais vulneráveis a doenças, desnutrição e encalhes.
Além desses fatores naturais, as atividades humanas agravam ainda mais a situação da fauna marinha. Os exames realizados pela equipe multidisciplinar do LEC-UFPR revelam que muitos dos animais encalhados apresentam evidências de interação com resíduos sólidos, como a ingestão de fragmentos de plástico. Também são frequentes os registros de interações com redes da pesca e colisões com embarcações, que resultam em traumas graves, fraturas e, em muitos casos, morte imediata dos animais.
O médico veterinário e responsável técnico do PMP-BS/UFPR, Fábio Henrique de Lima, afirma que os encalhes nem sempre estão associados a um único fator. “As causas de mortalidade estão associadas a múltiplos fatores. Um animal debilitado por infecções, por exemplo, torna-se mais vulnerável a colisões ou ao emalhe em redes. Esses fatores, somados, comprometem a saúde dos indivíduos e ampliam os riscos de encalhes”, explica Fábio.
Cinco tartarugas foram encontradas com vida e seguem em reabilitação
Do total de 314 encalhes registrados em julho, cinco tartarugas chegaram ainda com vida. Elas foram prontamente resgatadas e encaminhadas ao Centro de Reabilitação, Despetrolização e Análise da Saúde da Fauna Marinha (CReD/UFPR), onde estão recebendo cuidados clínicos especializados.
No CReD, os animais passam por uma série de exames clínicos e laboratoriais, que buscam identificar possíveis doenças, avaliar seu estado nutricional e investigar as possíveis causas do encalhe. Após a estabilização, inicia-se o tratamento, que inclui suporte nutricional, administração de medicamentos, fisioterapia e monitoramento contínuo. O objetivo é garantir que o animal recupere a saúde e possa ser devolvido ao oceano. Entretanto, alguns indivíduos chegam em condições tão críticas que não sobrevivem, mesmo com todos os cuidados e tratamentos aplicados.
De acordo com o médico veterinário do PMP-BS/UFPR, Felipe Yoshio Fukumori, cada animal fornece informações valiosas para a ciência e a conservação. “O trabalho de reabilitação não apenas salva a vida daquele indivíduo, mas também contribui para o conhecimento científico e para a conservação da biodiversidade marinha”, explica.
Após o resgate, o animal é levado para avaliação clínica inicial e estabilização, etapa essencial para definir o tratamento adequado. “O processo de reabilitação das tartarugas costuma ser mais lento e delicado. Cada indivíduo demanda um protocolo específico, com atenção ao seu histórico, condição corporal e resposta aos primeiros cuidados. Por isso, o acompanhamento diário e personalizado é fundamental para garantir a recuperação completa e segura até o momento da soltura”, complementa Felipe.
Monitoramento e ações de proteção
A atuação do LEC-UFPR é resultado de anos de trabalho contínuo e comprometido, através de diversos projetos voltados à conservação marinha. Com uma equipe multidisciplinar, o PMP-BS/LEC-UFPR realiza diariamente o monitoramento das praias paranaenses, transformando dados em conhecimento sobre os impactos que afetam a fauna marinha. “Nosso trabalho é realizado por profissionais autorizados, capacitados e licenciados pelos órgãos ambientais competentes. Cada atendimento segue protocolos técnicos que garantem o bem-estar dos animais e a segurança da população. O monitoramento é uma ferramenta poderosa que conecta ciência, conservação e compromisso ambiental”, reforça Liana Rosa, gerente operacional do PMP-BS/LEC-UFPR.
Além do atendimento emergencial aos animais marinhos encalhados, vivos ou mortos, todas as informações coletadas em campo são registradas no Sistema de Informação de Monitoramento da Biota Aquática (SIMBA), que fomenta pesquisas científicas e amplia o entendimento sobre a saúde dos ecossistemas marinhos.
A proteção da fauna marinha, no entanto, não é responsabilidade apenas dos pesquisadores. O envolvimento da sociedade é fundamental. E aqui entra um ponto essencial: o respeito à legislação ambiental. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) proíbe a caça, captura, ferimento ou qualquer forma de molestamento de animais silvestres. O descumprimento dessa norma pode resultar em multas e até detenção.
Por isso, ao encontrar um animal marinho encalhado, vivo ou morto, a orientação é:
- Mantenha distância;
- Não toque, mesmo se parecer sem vida;
- Não tente devolvê-lo ao mar;
- Acione o PMP-BS/LEC-UFPR imediatamente pelos contatos oficiais.
Com responsabilidade, informação e cooperação, é possível salvar vidas, fortalecer a ciência, proteger a biodiversidade e reafirmar nosso compromisso com o futuro do oceano.
SOBRE O PMP-BS
A realização do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, para as atividades da Petrobras de produção e escoamento de petróleo e gás natural na Bacia de Santos. No estado do Paraná, Trecho 6, a execução do projeto é realizada pela equipe LEC/UFPR (@lecufpr e www.lecufpr.net).
Link com imagens: https://drive.google.com/drive/folders/1eps-kohDoj1tr09qclrIdMzseFw8NyGw?usp=sharing