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Carta 158. Cogumelos em árvores urbanas

andre-de-meijer-colunaDos meus atuais 36 anos de residência no Paraná, tenho passado dois terços nos municípios de Curitiba e São José dos Pinhais. Assim, é fácil entender porque na área desses dois municípios vizinhos tenho encontrado mais espécies de cogumelos (macrofungos), aproximadamente 800, do que em qualquer outra parte do Estado. Quando incluo neste censo também os cogumelos de outro município vizinho, Colombo, tenho um total de 1000 espécies.

Neste sentido é interessante fazer uma comparação: na capital da minha terra natal, Amsterdã, registrou-se 1095 espécies de cogumelos num período de apenas dez anos de levantamento (1989-1999), numa superfície de 408 km2 (Chrispijn 1999), ligeiramente menor que o município de Curitiba, que tem um território de 432 km2.

Do pouco mais de mil espécies de cogumelos atualmente conhecido nas proximidades de Curitiba, a maioria vive na mata; essas espécies podem ser encontradas por todos aqueles que estão dispostos a sair da trilha e suportar os micuins e pernilongos.

Mas a Mãe Natureza é generosa… oferece cogumelos também para aqueles sem disposição de sair da zona de conforto. Na região central da capital paranaense é possível encontrar cogumelos nas praças, jardins públicos e privados, terrenos baldios, quintais, hortas, pátios, e há também algumas espécies dentro das edificações (veja a carta “Cogumelos residenciais”, de 19 de março de 2007).

Espécies de cogumelos podem ocorrer nos seguintes tipos de substrato:

(a) árvores e arbustos vivos: no tronco (às vezes apenas na base), toco, galhos (grosso ou fino), ou em partes mortas da árvore viva;

(b) árvores ou arbustos mortos ou pedaços de madeira morta (tratada ou não tratada, queimada ou não queimada): no tronco, galhos (grosso ou fino), postes em uso como cerca, madeira enterrada, lascas, ou serragem;

(c) plantas herbáceas, ou as partes herbáceas de plantas lenhosas: folha ainda ligada à planta, folha caída, pecíolo, caule, raiz, flor ou inflorescência, fruto ou semente; montão de folhas em decomposição;

(d) solo rico ou pobre em húmus; solo carbonizado;

(e) excrementos de herbívoros; esterco amontoado em decomposição;

(f) invertebrados mortos: inseto ou aranha (quase somente estes dois grupos);

(g) alvenaria: muro, piso de cimento, escombros;

(h) outros materiais com celulose: papelão, feno, palha, etc.

Aqueles dos itens “e”, “f”, “g” e “h” serão pouco encontrados no centro de Curitiba. Entretanto, em 17 de maio de 2010 encontrei no Bairro Abranches, na superfície vertical de um muro externo coberta com argamassa de areia e cimento, um ascomiceto cujos corpos frutíferos eram marrons e alcançavam 2,5 cm de diâmetro; tratava-se de Peziza varia, uma espécie de distribuição cosmopolita.

A maioria dos cogumelos encontrada nos bairros centrais de Curitiba ocorre nos substratos dos itens “b” e “d”. Ao grupo “d” pertencem aqueles vistos em gramados; um total de aproximadamente 30 basidiomicetos, e apenas um ascomiceto (Aleuria aurantia, uma espécie de distribuição cosmopolita e com corpos frutíferos laranjas, que alcançam 4 cm de diâmetro). Há também aqueles que, apesar de ocorrer no solo, estão sempre na proximidade de espécies de árvores com as quais formam uma associação simbiótica chamada ectomicorriza.(a) Essas últimas somam exatamente 23 espécies em Curitiba, todos basidiomicetos e foram vistas associadas com as raízes de Pinus, Eucalyptus, Castanea (castanha-portuguesa), Salix (salgueiro) e Quercus (carvalho).

Ainda não há uma contagem exata do número de cogumelos encontrados no centro de Curitiba, mas essa contagem foi realizada em algumas cidades grandes da minha terra natal, nos bairros mais centrais de Amsterdã e de Leiden, onde foram encontradas 200 e 250 espécies, respectivamente (Chrispijn 1999; Adema 2008).

Nesta carta destaco apenas os cogumelos encontrados em madeira de árvores vivas, o item “a” da listagem, por eles serem muito conspícuos (ocorrem à altura dos olhos dos transeuntes urbanos) e por terem importância fitossanitária. Em Curitiba encontrei 13 espécies de cogumelos deste grupo (Apêndice 1) em 15 árvores diferentes (Tabela 1). Esses cogumelos são todos basidiomicetos; nunca encontrei um ascomiceto conspícuo (corpos frutíferos bem visíveis) em uma árvore ainda viva do centro de Curitiba.

Os basidiomicetos decompositores de madeira podem ser agrupados em duas categorias: (i) fungos de podridão branca, que possuem sistema enzimático que lhes permite degradar todos os componentes das paredes celulares da madeira e (ii) fungos de podridão marrom, que removem da madeira a celulose e a hemicelulose, mas não a lignina. Das espécies listadas no Apêndice 1, somente Laetiporus sulphureus causa podridão marrom; todas as demais são causadoras de podridão branca. Em inglês o nome popular de L. sulphurous é ‘Chicken of the Woods’ pois a espécie é comestível e o sabor, a estrutura e sua cor interna lembram a carne de galinha. As outras espécies comestíveis do Apêndice 1 são Auricularia fuscosuccinea e Oudemansiella cubensis.

Das 13 espécies de cogumelos listadas, cinco têm distribuição cosmopolita: Pholiota limonella é conhecida como biótrofo,(b) e as outras quatro são necrótrofos (Arnolds et al. 1995). O restante das espécies do Apêndice 1 também deve se tratar de necrótrofos, com a possível exceção de Mycena globulispora, um cogumelo pequeno que vive na casca morta dos troncos e que pode ser um sapróbio.(c)

No Brasil, é organizado, desde 1985, o Encontro Nacional sobre Arborização Urbana (ENAU) e, desde 1992, o Congresso Brasileiro de Arborização Urbana (CBAU). A literatura brasileira sobre as árvores de rua é abrangente e, para a cidade de Curitiba, recomendo Biondi & Althaus 2005 e Cardoso 2004. Muito úteis também, apesar de não serem elaborados especificamente para Curitiba, são os livros de Milano & Dalcin 2000 e Sanchotene 1989.

Biondi & Althaus 2005 e Milano & Dalcin 2000 (pp. 97114), dedicam espaço às doenças das árvores urbanas e abordam as doenças causadas por microfungos, mas não os macrofungos (cogumelos). Assim, julgo importante continuarmos colhendo dados sobre este último grupo.

Quem encontrar um cogumelo em alguma árvore exótica viva das ruas ou praças de Curitiba e quiser saber seu nome, pode encaminhar ao meu endereço eletrônico o seguinte:

– local exato (com endereço), data completa, nome completo da pessoa que encontrou e altura do fungo na árvore;

checar se o fungo ocorre numa porção de madeira viva ou porção de madeira morta da árvore;

o nome científico ou popular da espécie de árvore (para a identificação recomendo usar o livrete de Roderjan & Barddal 1998);

– fotos mostrando o cogumelo de lado, de cima, de baixo e em corte, uma das fotos incluindo régua ou qualquer objeto que fornece uma ideia do tamanho.

Se eu conseguir reconhecer a espécie de fungo através das suas fotos, lhe responderei. Caso contrário, tentarei visitar o local numa próxima visita a Curitiba e lhe darei retorno.

(ª) Micorriza: uma associação simbiótica, não patogênica ou apenas levemente patogênica, entre um fungo e as raízes de uma planta.

Ectomicorriza: o fungo forma uma camada na superfície da raiz da qual as hifas se estendem para fora, no solo, e para dentro entre as células corticais externas com o qual fazem interface para formar o ‘rede de Hartig’. São principalmente basidiomicetos, mas há também alguns ascomicetos.

(b)

Biótrofo: organismo que obtém a sua energia de células vivas do hospedeiro.

Necrótrofo: organismo que obtém a sua energia de células mortas do hospedeiro.

(c) Sapróbio: organismo que obtém a sua energia de matéria orgânica em decomposição.

AGRADECIMENTOS

Aos meus amigos Sibelle Trevisan Disaró e Fernando Antonio Sedor, pela excelente revisão deste texto.

REFERÊNCIAS

Adema, H. 2008. Vliegenzwammen op het Rapenburg: paddenstoelen in de binnenstad van Leiden. Uitgeverij Ginkgo, Leiden. 158 pp.

Arnolds, E.J.M., T.W. Kuyper & M.E. Noordeloos (Eds.). 1995. Overzicht van de paddestoelen in Nederland. Nederlandse Mycologische Vereniging, Wijster. 871 pp.

Biondi, D. & M. Althaus. 2005. Árvores de rua de Curitiba: cultivo e manejo. Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (FUPEF), Curitiba. 179 pp.

Cardoso, F. 2004. Árvores de Curitiba. Edição do autor, Curitiba. 95 pp.

Chrispijn, R. (& colab.). 1999. Champignons in de Jordaan – De paddestoelen van Amsterdam. Schuyt & Co, Haarlem. 261 pp.

JBR (Jardim Botânico do Rio de Janeiro). 2010. Catálogo de plantas e fungos do Brasil. Andrea Jakobsson Estúdio : Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1699 pp. (2 Vol.).

Kaehler, M., R. Goldemberg, P.H. Labiak Evangelista, O. dos S. Ribas, A.O.S. Vieira & G.G. Hatschbach. 2014. Plantas vasculares do Paraná. Universidade Federal do Paraná, Departamento de Botânica, Curitiba. 190 pp.

Lorenzi, H. 1992. Árvores brasileiras. Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Edit. Plantarum, Nova Odessa. 368 pp.

Lorenzi, H., H.M. de Souza, M.A.V. Torres & L.B. Bacher. 2003. Árvores exóticas no Brasil: madeireiras, ornamentais e aromáticas. Edit. Plantarum, Nova Odessa. 368 pp.

Lötscherd, W. & G. Beese. 1983. Collins photo guide tropical plants. (Translated by C. King from the original [Pflanzen der Tropen. BLV Verlagsgesellschaft, München. 1981]). Harper Collins Publishers, London/Glasgow/Sydney/Auckland/Toronto/Johannesburg. 256 pp.

Milano, M. & E. Dalcin. 2000. Arborização de vias públicas. Light Ed., Rio de Janeiro. 206 pp.

Roderjan, C.V. & M.L. Barddal. 1998. Arborização das ruas de Curitiba – PR. Guia prático para a identificação das espécies. FUPEF, Ser. Tecn. (Curitiba) 1/98: 1-10.

Sanchotene, M.C.C. 1989. Frutíferas nativas úteis à fauna na arborização urbana, Ed. 2. SAGRA Edit., Porto Alegre. 306 pp.

Souza, V.C. & H. Lorenzi. 2008. Botânica sistemática: guia ilustrado para identificação das famílias de Fanerógamas nativas e exóticas no Brasil, baseado em APG II, Ed. 2. Editora Plantarum, Nova Odessa. 704 pp.

(André de Meijer, 29 de maio de 2015)

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