Correio do Litoral
Notícias do Litoral do Paraná

Estudo identifica contaminação por microplásticos em aves no Litoral do Paraná

Pesquisa analisa contaminação em água, sedimentos, peixes e aves, com destaque nesta etapa da pesquisa para a coruja-buraqueira

Coruja-buraqueira | foto: Raphael Sobania

Cada vez mais abundante nas águas costeiras de todo o mundo, a poluição por microplásticos é uma das principais ameaças para todos os ecossistemas marinhos. No litoral paranaense, não é diferente. O Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar), da Associação MarBrasil, confirmou a presença de microplásticos na água, em sedimentos e em animais, incluindo peixes e aves, como a coruja-buraqueira.  

O estudo pioneiro no país é na Grande Reserva Mata Atlântica, desde o Complexo Estuarino de Paranaguá, a Baía de Antonina, a Baía de Paranaguá, a Baía das Laranjeiras, a Baía de Guaraqueçaba, até o Canal da Galheta, próximo à Ilha do Mel, e à Baía de Guaratuba. O projeto conta com o patrocínio do Governo Federal, por meio do programa Petrobras Socioambiental. 

Segundo Fernanda Possatto, coordenadora do componente de lixo no mar do Programa Rebimar, nesta quinta fase do projeto, a ideia da pesquisa é ter uma grande “fotografia” do panorama da contaminação por microplásticos no litoral todo, com pesquisas incluindo baías, praias e rios que desembocam no mar, assim como a contaminação por microplástico em algumas espécies de peixes comerciais e de aves que habitam ou frequentam a região litorânea.

“O microplástico não respeita fronteiras”

A pesquisa revelou a presença constante de microplásticos em todo o estuário, tanto em áreas densamente povoadas, como Paranaguá, quanto em unidades de conservação mais isoladas. “Nas baías também existe contaminação, o que comprova que o microplástico não obedece a fronteiras geográficas”, explica o oceanógrafo Allan Paul Krelling, também coordenador da pesquisa e professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR).

Os resíduos plásticos concentram-se principalmente na superfície da água, sendo dispersos por marés e correntes marítimas. Nessas plumas ou espumas, é possível observar a olho nu a presença de plásticos flutuantes. “Naturalmente essas plumas concentram uma quantidade maior de matéria orgânica e pequenos organismos, que são atraídos pela disponibilidade de alimento, no entanto, nesses locais também se observa um maior acúmulo de microplásticos que poderão ser ingeridos tanto por pequenos animais quanto por peixes, aves, tartarugas e mamíferos marinhos,” alerta Fernanda Possatto.

Coleta de microplástico na superfície da água | foto: Gabriel Marchi

Aves como bioindicadores da contaminação por microplásticos

Diversas espécies de aves que vivem ou frequentam os trechos avaliados do litoral estão convivendo com microplásticos em seu habitat. A pesquisa analisou cientificamente os dados públicos do Sistema de Informações do Monitoramento da Biota Aquática (Simba) coletados pelos Projeto de Monitoramento de Praias (PMP).

“Mesmo que encontrássemos poucos indivíduos já seria preocupante. Mas já confirmamos uma quantidade bem relevante de animais ingerindo plástico”, avalia Fernanda Possatto. “As fragatas (Fregata magnificens) apresentaram os piores índices: 20% de ocorrência de resíduos sólidos no trato gastrointestinal; os atobás (Sula leucogaster) registraram 13,3%; e as gaivotas (Larus dominicanus), 6,7%”. 

Coruja-buraqueira: uma nova frente de pesquisa  

A pesquisa foi estendida para as corujas-buraqueiras (Athene cunicularia), espécie muito comum nas praias e áreas de restinga, em 2024. “Nesta nova fase do projeto, além de dar continuidade aos estudos com as gaivotas, incluímos outras espécies que estão no ambiente de transição. A coruja-buraqueira é considerada uma ave terrestre, mas usa esse espaço costeiro para se alimentar”, explica Possatto. 

“Ainda estamos em fase inicial dos resultados, mas, infelizmente, já observamos a presença de microplásticos nessas aves. Ainda é cedo para dizer o tamanho dessa contaminação, mas já nos mostra que a problemática está em todo lugar, afetando espécies de diferentes hábitos e habitats e ressalvando a urgência de políticas públicas para regulamentação dos resíduos plásticos”, reforça Possatto.

Coleta das egagrópilas expelidas pelas aves é feita na areia e na restinga | foto: Acervo IFPR/Rebimar

A ornitóloga Juliana Rechetelo, colaboradora do projeto, explica que a metodologia para análise das corujas é minimamente invasiva. “Coletamos egagrópilas expelidas naturalmente pelas aves marinhas e terrestres. Egagrópilas são pelotas que essas aves expelem de partes não-digeríveis de suas presas, por exemplo, ossos, penas, dentes e exoesqueleto entre outros”. De acordo com a pesquisadora, há o acúmulo dessas pelotas em locais de repouso, dormitórios e tocas. 

“Coletamos essas pelotas em frascos de vidro para evitar contaminação, levamos ao laboratório e fazemos um processo químico para diminuir esse material orgânico e deixar mais fácil a busca por microplásticos. As egagrópilas ficam ‘de molho’ nesses reagentes químicos por alguns dias, depois filtramos esse material e vamos para a parte de triagem, que nada mais é que a análise na lupa para buscar microplásticos”, completa a ornitóloga. 

Análise é feita nas “pelotas” expelidas pelas aves após a digestão | foto: Acervo IFPR/Rebimar

Microplásticos em peixes comerciais e o impacto na cadeia alimentar 

Além das aves, o estudo também investiga a presença de microplásticos em peixes à venda em peixarias e supermercados. Os tratos gastrointestinais desses animais são coletados e analisados em laboratório. Os dados ainda estão sendo computados, mas as amostras dos peixes comerciais avaliadas até agora confirmam a contaminação.  

Engajamento de jovens pesquisadores

Thayane Paula Leone fazendo coletas sob supervisão do professor Allan Paul Krelling | foto: Acervo IFPR/Rebimar.

Além de oceanógrafos, biólogos e ornitólogos, estudantes do ensino médio técnico do Instituto Federal do Paraná (IFPR) participam das atividades de pesquisa do Rebimar, incentivando a formação de novos cientistas. “A participação desses jovens é fundamental para o futuro da ciência. Eles se mostram muito interessados e engajados, aprendendo na prática sobre os impactos ambientais e a importância da conservação marinha”, comenta Fernanda.

“Atuando como bolsista no projeto estou aprendendo muitas coisas. Tanto a parte de campo quanto a parte de laboratório me cativam, essa dinâmica é literalmente a minha praia”, comenta Thayane Paula Leone de Souza, aluna do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental (IFPR- Paranaguá). “É um assunto que precisa ser discutido e fomentado, e estamos aqui para isso. Com muito amor, com muita luta e persistência, sonhamos em um dia poder fazer a diferença de forma significativa e trazer as soluções necessárias”, completa a estagiária do Rebimar. 

Pesquisador João Eduardo Nascimento Américo, 18 anos | foto: Acervo IFPR/Rebimar.

João Eduardo Nascimento Américo, estudante do Ensino Médio Técnico em Meio Ambiente, compartilha esse entusiasmo: “Minha experiência com o projeto tem sido única. Aqui vi a oportunidade de juntar minhas duas paixões, a ecologia e a ornitologia. No início, a ideia era monitorar apenas a coruja-buraqueira, agora, nossos planos incluem mais três espécies: a coruja Mocho-diabo, o gaivotão e o trinta-réis. Estamos dando um passo importante para entender a contaminação por microplásticos no litoral do Paraná”. 

Coordenadora do estudo, Fernanda Possatto, decantando o material coletado em laboratório | foto: Acervo IFPR/Rebimar.

Rebimar

O Programa Rebimar é um conjunto de ações socioambientais voltadas para a conservação da região litorânea, principalmente no Paraná e na costa sul de São Paulo. A iniciativa faz parte da Associação MarBrasil, tem patrocínio Governo Federal, por meio do Programa Petrobras Socioambiental e conta com apoio científico do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná e do Instituto Federal do Paraná.

Leia também