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Mapeamento identifica conservação de manguezais da Grande Reserva Mata Atlântica

Pesquisadores de diferentes áreas se uniram para avaliar a saúde desses importantes ambientes de transição entre o mar e a costa, na região da Grande Reserva Mata Atlântica

Foram mapeados 48,8 hectares de manguezais | fotos: Gabriel Marchi.

Pela primeira vez, pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento se reúnem para entender como está a saúde dos manguezais na linha de costa, na área conhecida como Grande Reserva Mata Atlântica. A pesquisa envolve trabalho de campo, nos bosques de mangue, e um mapeamento aéreo feito por drones equipados com câmeras altamente tecnológicas e imagens de satélite. Os indicadores apontam as áreas mais conservadas e as mais impactadas pela presença humana e pela poluição.

A parceria envolve cientistas do Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar), iniciativa patrocinada pela Petrobras e pelo Governo Federal, e pesquisadores do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais da Universidade Federal do Paraná (Lageamb/UFPR). 

O resultado são novos mapas, mais precisos, e que indicam também o vigor da vegetação, com uma precisão inédita da região que vai do nordeste de Santa Catarina, passando pelo Paraná, até o sul de São Paulo. 

“É um produto inovador. Todos os mapeamentos que foram feitos até então usavam uma escala média, mais generalizada. Desta vez, estamos fazendo um mapeamento bem mais refinado dos manguezais”, explica Otacílio Paz, geógrafo do Lageamb. “O tempero adicional é aplicar os índices de qualidade dessa vegetação, para saber como está a saúde desse manguezal e comparar por setores em cada região da Grande Reserva Mata Atlântica”, completa o pesquisador.

A geógrafa Laura Beatriz Krama é responsável pelo processamento digital de imagens de satélite e pelo aerolevantamento com drones. “Utilizamos as imagens do satélite CBers 4A, disponibilizadas gratuitamente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Trabalhando com elas, chegamos numa resolução espacial de 2m. Essas imagens são utilizadas tanto no mapeamento, quanto para obtermos valores referentes aos índices de vegetação dos manguezais”, explica Laura. 

Ao todo, foram mapeados 48.861,391 hectares de manguezal, sendo 41% encontrados no Complexo Estuarino de Paranaguá, 31% na região de Cananéia-Iguape, 16% na Baía de Babitonga e 12% na Baía de Guaratuba.

Ela explica que o drone utilizado no mapeamento possui uma câmera multiespectral acoplada, ou seja, além de alcançar detalhes visíveis aos olhos humanos, como as câmeras convencionais, também é capaz de realizar a leitura do espectro infravermelho próximo da vegetação. “A tecnologia permite maior detalhe e precisão nos locais de monitoramento. Conseguimos ter exatidão de centímetros”, detalha. 

Laura Krama realizando aerolevantamento de drone em Guaraqueçaba, Paraná. Foto: Gabriel Marchi.

As técnicas aplicadas avaliam e caracterizam a cobertura vegetal em uma determinada área de acordo com a sua reflectância, ou seja, como a luz solar é refletida pela vegetação. Assim é possível medir o Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (NDVI), que corresponde ao vigor vegetativo, e o Green Leaf Index (GLI) – em tradução livre: Índice Folha Verde – que demonstra o teor de clorofila da vegetação. Os valores variam de -1 (para matéria morta) a 1 (vegetação em saúde ideal). 

“Os resultados apontam que os manguezais da Baía de Guaratuba, do Complexo Estuarino de Paranaguá (PR) e da região de Cananéia-Iguape (SP) possuem valores médios de cerca de 0,52. A maior diferença foi apresentada na Baía de Babitonga (SC), que resultou num valor de aproximadamente 0,48, indicando ser a região de manguezal menos saudável da Grande Reserva Mata Atlântica”, avalia Laura. 

Um resultado surpreendente surgiu ao separar a área entre setor sul (mais impactado pela presença urbana e portuária) e norte (mais preservado, no município de Guaraqueçaba).  Os índices de vegetação indicaram que manguezais do setor norte apresentaram valores inferiores ao setor sul, contrariando a hipótese inicial de que os manguezais da região de Guaraqueçaba apresentariam maior vigor vegetativo. Ainda serão feitas analises mais aprofundadas para identificar fatores como o fluxo e tipo de sedimento de cada setor que podem ter influenciado nos resultados. 

A oceanógrafa e coordenadora de flora de manguezais no REBIMAR, Sarah Charlier Sarubo, explica que esse mapeamento facilita muito os estudos de flora, da saúde e dos estoques de carbono dos manguezais. “Ele consegue mapear a biomassa aérea, que é toda aquela parte das árvores acima do solo, com troncos e folhas. O trabalho de geoprocessamento serve como uma ferramenta para nós, por apresentar os dados de forma mais visual e permitir uma escolha mais assertiva dos locais para monitoramento”.  

Mas ela lembra que há ainda a biomassa abaixo do solo, que são as raízes e o estoque de carbono dentro do solo do manguezal que é muito grande. Para isso, as equipes de pesquisa do REBIMAR continuam o trabalho em solo, estabelecendo parcelas de monitoramento, identificando e medindo as árvores, registrando imagens da fisionomia do bosque, assim como coletando amostras do sedimento para avaliar a salinidade. 

“Com estes dados é possível avaliar a condição de saúde do bosque, além de calcular as estimativas do estoque de carbono contido na biomassa aérea. Nosso próximo objetivo é avaliar o estoque de carbono presente no solo para ter um panorama mais completo da contribuição dos manguezais da Grande Reserva na mitigação das mudanças climáticas”, explica Sarubo.  

A pesquisadora Sarah Sarubo colhendo amostras de sedimentos de manguezal. Foto: Gabriel Marchi.

Para Otacílio Paz, a ideia é dar ferramentas e gerar dados de baixo custo para a tomada de decisão em gestão territorial. “Identificar, por exemplo, áreas que precisam ser recuperadas, monitoradas ou de outra estratégia como educação ambiental para que a comunidade conheça e valorize esses locais. Ao produzirmos esses dados, podemos dar suporte para as melhores decisões por parte dos gestores”, diz ele.

O mapeamento também inclui questões socioeconômicas como vias de acesso como rodovias e ferrovias, divisas estaduais e limites municipais. Recentemente, a equipe fez um trabalho de Cartografia Participativa que incluiu um levantamento de espécies em colaboração com pescadores. “Levamos mapas para cada um deles, em locais estratégicos, e pedimos para os próprios pescadores marcarem onde eles encontram determinadas espécies da fauna aquática, para uma análise de biodiversidade”, acrescenta o geógrafo.

Por que monitorar os manguezais? 

A união de esforços do Programa REBIMAR e do LAGEAMB se justifica pela importância desse ecossistema. Os manguezais são como pântanos que ficam na região de transição entre o mar e a costa, espaços sensíveis que abrigam uma vegetação típica com muitas raízes aparentes e subterrâneas. 

Esses ambientes úmidos são fundamentais para proteger a costa brasileira frente a eventos climáticos cada vez mais extremos. A vegetação em bom estado impede a erosão e estabiliza a linha de costa, protegendo contra tempestades e o aumento do nível do mar.

 “Comunidades que estão atrás do manguezal se beneficiam dessa proteção. Proteger esses ecossistemas é proteger também as pessoas e as espécies. Vários estudos mostram que, no sudeste asiático, onde aconteceram os tsunamis, as populações protegidas por manguezais preservados sofreram muito menos impactos do que em áreas que já não tinham essa vegetação”, afirma Sarah Sarubo. 

A pesquisadora reforça ainda que os manguezais armazenam mais carbono do que qualquer outro tipo de floresta, ou seja, absorvem em grande quantidade o gás responsável pelo aquecimento global e pelo agravamento das mudanças climáticas. “Também é importante lembrar que são filtros potentes de água e de ar, retendo a contaminação gerada por portos e pela urbanização” completa Sarah. 

O Programa Rebimar é um conjunto de ações socioambientais voltadas para a conservação da região litorânea, principalmente no Paraná e na costa sul de São Paulo. A iniciativa faz parte da Associação MarBrasil, tem patrocínio da Petrobras e do Governo Federal, e conta com apoio científico do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná e do Instituto Federal do Paraná.

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