Nobre Deputado
Alguns livros surgem de forma inesperada e acabam nos surpreendendo. Assim aconteceu com o “Nobre Deputado” de Márlon Reis.
Um sobrinho em férias por Itapoá trouxe um exemplar, presente dos seus colegas da rádio em que trabalhava em Caxias do Sul.
O título não me impressionou. Nem um pouco sequer. Achei que seria mais um manual de autoajuda para campanhas politicas de deputado, vereador ou coisa do gênero. O mesmo em relação ao autor, para mim, um ilustre desconhecido.
Não fosse a recomendação seria destinado a estante onde guardo os livros para ‘eventuais’ leituras que, aliás, nem sempre acontecem.
Sem muito interesse, passei os olhos nos comentários e recomendações feitos na capa e contracapa. Uma rápida leitura no prefácio e na introdução. Mais curioso, digitei o nome do autor no Google para saber de quem se tratava.
Começaram, então, as surpresas:
Márlon Reis é juiz de Direito, titular da 58º Zona Eleitoral, do Maranhão. Conhecido nacionalmente por articular a coleta de assinaturas para o projeto popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, que polemizou o meio politico brasileiro.
Foi o primeiro juiz a obrigar que candidatos a prefeito e a vereador revelassem os nomes dos financiadores de suas campanhas antes da data da eleição, contrariando a prática de fazer somente na prestação de contas, depois das eleições.
Um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, rede nacional que reúne 50 das mais importantes organizações sociais brasileiras com 330 comitês espalhados pelo País.
Detentor de prêmio do Instituto Innovare, o mais importante da magistratura brasileira, na categoria Juiz Individual, em reconhecimento a sua atuação pela melhoria da Legislação Eleitoral do Maranhão.
Portanto uma pessoa que ‘conhece’ o assunto. Ato contínuo, foi lido de ‘cabo a rabo’, como se diz.
O livro surgiu de pesquisas realizadas para saber o porquê do custo absurdo das eleições brasileiras. Basicamente, de entrevista em que um senador lhe confidenciou que o resultado de qualquer eleição brasileira já está definido antes do encerramento da votação e antes mesmo da abertura das urnas. Que a vontade do eleitor individual pouco representa no processo eleitoral. O que conta, é o volume de dinheiro arrecadado na campanha vencedora, que utiliza o recurso num infalível esquema de compra de votos. Para o senador o esquema é simples: “arrecadou mais, pagou mais e se pagou mais, ganhou”.
A partir do episódio, cresceu seu interesse pelo tema e seguiu pesquisando pessoas ligadas ao poder politico, somente os integrantes das campanhas vitoriosas. Pessoas que participaram das ações que levaram a eleição de deputados. Não ouviu nenhum candidato derrotado, nenhum oposicionista. Apenas os que tinham sido eleitos, não importando o partido ou a tendência.
Chamou-lhe atenção à coerência entre os depoimentos de pessoas em diferentes Estados e que não se conheciam entre si. Ao responderem questionário padrão, referiam-se às mesmas práticas com detalhes minuciosos.
O juiz Márlon Reis, diz estar convencido de que essas entrevistas desvendaram o comprometimento do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas com uma gigantesca máquina que vicia todo o processo eleitoral do Brasil de forma assustadoramente eficiente.
Vale ler o livro e conhecer o deputado ‘Cândido Peçanha’, personagem fictício criado pelo autor para refletir os depoimentos das pessoas que decidiram relatar de maneira franca e sem limites, os bastidores das campanhas eleitorais e, principalmente, sobre como são obtidos os recursos para a compra dos votos.
Em tempos de ‘lava-jato’ e com a proximidade de novo período eleitoral o livro é oportuno, pois revela “como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na politica brasileira”.
Quem sabe a leitura possa despertar uma verdadeira transformação.
Itapoá (verão), 18 de fevereiro de 2015.