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Conto premiado trata da invisibilidade do trabalho da mulher do campo

Fotos: Luiz Michelin Junior

Na última quinta-feira (2), em Pontal do Paraná, ocorreu a premiação do 2º Concurso Literário e Fotográfico Litoral com Arte 2022, com representantes dos sete municípios. De Guaratuba, a premiada foi a engenheira agrônoma Maria Wanda de Alencar Ramos, na categoria conto

Seu conto descreve a vida de uma agricultora caiçara, e ela considera “significativo a celebração ter acontecido no mês de março, em que é comemorado o dia internacional de luta pelos direitos das mulheres, o 8 de março”.

Nós convidamos a autora para falar sobre o conto e o universo das mulheres, sobretudo do campo, onde ela atua como profissional e cidadã.  Leia seu depoimento e, ao final, o conto premiado:

 “Receber o prêmio nesta data foi muito simbólico, em razão de que a temática abordada no conto se tratar do cotidiano invisibilizado de uma agricultora caiçara, que reflete a vida das mulheres em geral, mas em especial,  das agricultoras, camponesas, em síntese: das trabalhadoras do campo. 

“Embora eu seja da Caatinga nordestina brasileira o tratamento destinado à mulher, ainda que apresente particularidades regionais, como nas comunidades Caiçaras, somos mulheres em uma sociedade patriarcal. Mesmo que historicamente o trabalho feminino seja elemento constitutivo da nossa sociedade, Porém, sucessiva e permanentemente é visto como não trabalho, ainda “reconhecido como ajuda””

“Se as mulheres urbanas têm de se dividir entre o trabalho doméstico e o trabalho no comércio, nas fábricas, na empresa etc. Às trabalhadoras do campo, é acrescido o roçado, a lida com os animais domésticos, a agroindústria rural ou doméstica etc. Esses espaços têm sido a fábrica das mulheres. Embora sejam fundamentais à sobrevivência, reforço, ainda tem sido considerado como não trabalho, é “ajuda”, é invisibilizado. Aquele considerado como trabalho, é o trabalho realizado pelo homem, seja na utilização de maquinários, tratores e nas demais tarefas da Unidade de Produção. 

E mais, as mulheres camponesas desempenham seus trabalhos, extra-estabelecimento agropecuário, elas vão comercializar a produção nas feiras, organizam e participam das festas e rituais religiosos. Logo, responsáveis pela preservação, não apenas do patrimônio material (terra e recursos naturais), mas do patrimônio imaterial (festas, memória e tradições), sendo alicerce à solidificação dos laços identitários”. Nhá Cândida é o retrato desta mulher, a primeira a acordar e a última a dormir, nessa imensidão de atividades, assumindo ainda os cuidados com os netos, Nhô Pedro e de toda família, e quase nunca tem tempo para si.

Sendo o trabalho doméstico um dos mais importantes da sociedade capitalista, uma vez que ele dá origem aos trabalhadores/as, é, portanto, neste ambiente onde dia após dia, geracionalmente, as mulheres realizam todos os trabalhos e atividades que são necessários para reproduzir a capacidade das pessoas trabalharem, deste modo as mulheres tem sido essa infraestrutura que garante o trabalho e a continuidade da vida.

A divisão entre trabalho “leve” e pesado, referindo-se ao trabalho “leve” aquele realizado pelas mulheres, é considerado assim, não porque de fato o seja, mas porque o trabalho delas tende a ser desvalorizado pelo homem, isto é, ser leve e, em caráter de “ajuda”, são, portanto, construções socioculturais que fazem sentido nessa sociedade dominada pelo patriarcado, pela dominância do sexo masculino, pela  valorização do papel do homem na sociedade e a consequente desvalorização do feminino. 

Portanto, é fundamental compreender essa questão e desnaturalizá-la. Entender que as relações sociais de sexo devem abranger não somente o âmbito do trabalho. Desta forma, os processos de socialização vivenciados por homens e mulheres são os responsáveis pela construção social da diferença e pela valorização distintiva das características atribuídas a uns e outros. 

Assim dizemos que lutar e defender igualdade de direitos são compromissos de todos/as, não se trata apenas de uma questão de empatia por parte dos homens, mas pela compreensão de que não teremos uma sociedade realmente justa e fraterna, enquanto reproduzirmos o “padrão” socialmente construído de relações de desigualdades entre homens e mulheres.

Neste 8 de março que possamos refletir sobre o protagonismo da mulher e o papel em todos os espaços de nossa sociedade. 

Leia o conto:

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