Correio do Litoral
Notícias do Litoral do Paraná

Pesquisadores denunciam impactos da banalização do uso de espécies exóticas

A discussão sobre os perigos da introdução de espécies exóticas está bem estabelecido entre os cientistas. Contudo, apesar das evidências desses efeitos e riscos apontadas por diversos estudos, tem surgido posições que focam nos impactos positivos da dispersão dessas espécies. Para alertar sobre esses perigos o professor Jean Vitule, do Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC) do Departamento de Engenharia Ambiental da UFPR, em parceria com Fernando Pelicice, professor da Universidade Federal de Tocantins (UFT), publicaram uma carta científica no prestigiado periódico Trends in Ecology & Evolution.

O trabalho destaca a dificuldade de mensurar no curto prazo os impactos negativos da introdução das espécies exóticas e que ao focar nas vantagens a curto prazo pode ocorrer uma ampliação e banalização desse tipo de prática que já é muito difundida.

U̲r̲o̲c̲h̲l̲o̲a̲ ̲a̲r̲r̲e̲c̲t̲a̲, espécie exótica invasora de braquiária, dominando a margem e parte do canal principal do rio Guaraguaçu, em Pontal do Paraná | Foto: Raul R. Braga

Vitule aponta que “há inúmeras evidências e catálogos que mostram que espécies exóticas invasoras podem causar danos graves e irreversíveis para a biodiversidade global e local e também para as pessoas diretamente por questões econômicas e sociais. Existe um consenso sobre isso, e isso é reconhecido por grandes organizações internacionais como a COP 15, o Tratado de Biodiversidade da UNCED 1992, Aichi e outros”.

Para o pesquisador o novo foco poderia trazer mais riscos, já que muitos atores sociais como governos e empresas já fazem a promoção dessa prática, com foco em seus interesses imediatos. Segundo o pesquisador, as perdas são potencialmente maiores para o Brasil.

“A ecologia não é de sim ou não, preto ou branco, é um degradê de efeitos. Então polarizar e falar que os efeitos positivos devem ser mais ressaltados é extremamente arriscado e temos muito a perder, especialmente em termos de biodiversidade no Brasil, pois somos o país mais biodiverso então temos mais a perder proporcionalmente para futuras gerações”.

Pesca de pirarucu (A̲r̲a̲p̲a̲i̲m̲a̲ ̲g̲i̲g̲a̲s̲) em Rondônia, peixe predador e uma espécie exótica invasora nessa parte da bacia Amazônica que se alimenta de espécies nativas de peixes que é o verdadeiro alvo da pesca esportiva na região | Foto: Anderson Carvalho Guedes.

Um estudo de 2011, intitulado Long-term effects of a trophic cascade in a large lake ecosystem, mostrou que em média são necessários 100 anos para que esse tipo de impacto seja percebido, demonstrando a escala de tempo que envolve o tema.

“Para um rio como o Rio Madeira que temos mais de 1200 espécies de peixes descritos, como ver todos os impactos potenciais positivos e negativos que um Pirarucu introduzido pode causar para cada uma delas? Isso só falando em peixes e deixando de lado todo o resto da biodiversidade. É impraticável ou mesmo impossível se medir todos esses potenciais efeitos, e mais difícil ainda ponderar eles, pois isso pode variar na escala temporal e espacial e também do ponto de vista de quem está vendo o problemas”, exemplifica.

Ele lembra ainda de casos famosos como o que foi tema do filme “O pesadelo de Darwin”, quando a introdução de uma espécie exótica de peixe no Lago Vitória, localizado na Tanzânia, levou à extinção de centenas de espécies de peixes. O documentário destaca como este efeito ecológico trouxe severos impactos sociais à região.

“Já existe uma propaganda tendenciosa dos efeitos positivo das espécies exóticas e uma supervalorização delas, pois usamos, introduzimos e espalhamos as mesmas fora de sua área de distribuição natural e evolutiva, justamente para nosso benefício direto, sem conhecer ou avaliar bem o seus impactos. Por exemplo, abelhas, tilápias, carpas, pinus entre outras espécies já são muito disseminadas”, completa.

Os autores defendem que diante da situação delicada se tome o princípio da precaução. “O nosso ponto é que sempre é levado em consideração o lado positivo e é por isso que essas espécies estão tão disseminadas e, de fato, muitas pessoas usam isso, para ganhar muito dinheiro e fazer lobby, etc. para que não seja mostrado os impactos negativos”.

Tucunaré, peixe amazônico invasor em diversas bacias da América do Sul por predar espécies nativas | Foto: José Sabino

Os autores defendem que diante da situação delicada se tome muita cutela e se use o princípio da precaução. “O nosso ponto é que sempre é levado em consideração o lado positivo e é por isso que essas espécies estão tão disseminadas e, de fato, muitas pessoas usam isso, para ganhar muito dinheiro e fazer lobby, etc. para que não seja mostrado nenhum efeito negativo, além disso, mesmo querendo é difícil se medir impactos negativos em longo prazo”.

Vitule é um dos coordenadores do capítulo sobre impactos do Relatório sobre Espécies Exóticas Invasoras da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, do inglês Brazilian Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), ao lado da professora Rosana Moreira da Rocha, do Departamento de Zoologia da UFPR e da professora Vânia Pivello da Universidade de São Paulo (USP). A plataforma, que inicialmente era um Grupo de Trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), foi inspirada na Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) que conta com mais de 128 nações e envolve aproximadamente mil cientistas ao redor do mundo, com o objetivo de analisar e avaliar informações científicas e técnicas relevantes, produzidas mundialmente, para a compreensão da biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Fonte: UFPR / Rodrigo Choinski

Leia também