Correio do Litoral
Notícias do Litoral do Paraná

Infâncias Plurais: Uma conversa sobre os direitos de crianças de povos e comunidades tradicionais

Indígenas, faxinalenses, quilombolas, ilhéus, pescadores artesanais, caiçaras, ciganos e povos de terreiro são exemplos de alguns dos povos e comunidades tradicionais de nosso estado.

São pessoas que vivem em profunda conexão com a natureza e mantêm tradições milenares, que, muitas vezes, podem causar estranheza a quem não conhece e não se informa sobre os seus costumes. Além disso, estes povos e comunidades buscam inserir suas crianças desde muito cedo nestas tradições, o que faz com que os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras leis que as protegem precisem ser interpretados sempre em conjunto com a realidade em que vivem.

Para tratar desse tema, na data em que o Brasil comemora o Dia das Crianças, a Assessoria de Comunicação da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), entrevistou o defensor público Vinícius de Godeiro Marques, que atua na área da Infância e Juventude na sede da DPE em Antonina.

Ele falou sobre particularidades destas populações e como a Defensoria Pública – e toda a sociedade – pode atuar para garantir os direitos das crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais. Confira!

O ECA prevê direitos para toda e qualquer criança e adolescente, sem distinção, no entanto, é preciso ter um olhar diferenciado para crianças e adolescentes de comunidades tradicionais, certo? Quais são os cuidados e olhares diferenciados que devemos adotar?

O ECA é um importante instrumento legal que busca resguardar direitos, mas os preceitos ali trazidos não alcançam de forma suficiente todas as crianças e adolescentes, principalmente quando se está tratando de povos indígenas e de comunidades tradicionais. A formação do Estado moderno, com base em uma lógica eurocêntrica de homogeneização e uniformização, negou continuamente a diversidade, normalizando o não reconhecimento dos povos indígenas, dos quilombolas, dos faxinalenses, dos caiçaras e tantos outros. A consequência prática é o esquecimento, a dificuldade de assimilar essas diferentes culturas e suas particularidades nas práticas diárias do Estado. Exatamente por isso, deve-se estar mais atento ao tratar da defesa da criança e do(a) adolescente indígena e de comunidades tradicionais. Por exemplo, questões relativas ao direito à educação tomam outra dimensão, uma vez que é preciso respeitar os valores culturais, espirituais e religiosos da comunidade afetada, exigindo-se que sejam ofertadas aulas sobre sua história, costumes, técnicas e línguas, bem como se existe a anuência da comunidade para a contratação dos profissionais que ali irão trabalhar. Da mesma forma, o direito ao território, à família, à saúde e todos os demais direitos demandam o respeito integral ao modo de ser dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Aqui, tratar essas crianças e adolescentes como iguais implica reconhecer as suas particularidades.

Como a Defensoria pode atuar para garantir os direitos dessas crianças e adolescentes?

A Defensoria Pública é uma instituição que tem como missão constitucional a promoção dos direitos humanos, em todos os graus. Acredito que a aproximação com os povos indígenas e as comunidades tradicionais, assim como a educação em direitos, são medidas necessárias para formar um vínculo de confiança desses povos com a instituição, e para garantir que essas comunidades possam se apropriar dos seus direitos e exigi-los. Aliás, os limites para a atuação da Defensoria estão exatamente na vontade do povo indígena e da comunidade tradicional, sujeitos a quem é assegurada, pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o direito à consulta prévia e informada sobre medidas que possam afetá-los. Portanto, a atuação da Defensoria deve ter como baliza o respeito à vontade do grupo que busca representar, sendo essa a diretriz para atuação da instituição. A partir dessa perspectiva, passa-se a observar as necessidades concretas quanto à educação, saúde, transporte, território e outras que surjam.

De que maneira todos e todas nós podemos contribuir para a proteção dessas crianças e adolescentes em nosso dia a dia? Quais cuidados devemos tomar ao acionarmos a rede de proteção, levando-se em conta os costumes, tradições e modos de vida dessas comunidades?

O acionamento da rede de proteção deve acontecer quando é notada alguma situação de risco a que a criança ou o adolescente esteja submetido, tal como o abandono pela família, maus tratos ou violência sexual. Evidentemente, é possível que tais circunstâncias aconteçam também dentro de uma dessas comunidades, mas para chegar a essa conclusão faz-se necessário buscar compreender as práticas, os costumes e as tradições do povo indígena ou da comunidade tradicional.Isso porque a reza, a participação em rituais tradicionais, o andar de pés descalços, a caça e tantas outros costumes que podem expor a criança e o(a) adolescente a “perigos” não enfrentados na cidade não levam à conclusão de que estão elas em situação de risco. Da mesma forma como, por exemplo, a saída para períodos de pesca nas comunidades de pescadores tradicionais não conduz à conclusão de que abandonaram a escola.

Fonte: DPE-PR

Leia também