Morre mais uma criança no Pronto Socorro de Guaratuba
Uma menina de 12 anos morreu nesta quarta-feira (25) no Pronto Socorro Municipal de Guaratuba, um dia antes da morte de uma menina de 9 anos. Nos dois casos, as famílias denunciam que houve negligência no atendimento.
O segundo caso foi divulgado pela imprensa do Litoral já na quinta-feira e está sendo investigada pela Polícia Civil. O primeiro só veio a público neste sábado (28), em depoimento gravado da mãe da menina ao Guara News, site de notícias e página do Facebook. De acordo com a mãe, a menina tinha diagnóstico de autismo (transtorno do espectro autista).
Com autorização do Guara News, o Correio do Litoral reproduz na íntegra depois de entrar em contato com a Prefeitura, a Secretaria Municipal de Saúde e o prefeito Roberto Justus. As mensagem foram lidas, mas não houve resposta até a publicação desta notícia. O espaço continua disponível e este texto será atualizada se houver alguma manifestação do poder publico .
“Só hoje ela conseguiu falar sobre o ocorrido, pois ainda está muito abalada com a perda tão repentina de sua filha”, abre o Guara.
A denúncia:
Então, vou relatar o que aconteceu comigo e minha filha na última terça-feira, dia 24 de setembro. Um dia antes, minha filha teve uma convulsão. No dia 23, ela teve a convulsão. Nós a levamos à Santa Casa, e a pediatra a liberou, porque, depois da convulsão, normalmente, ela ficava mais calma, quietinha e tranquila. Por isso, ela não foi para a aula na segunda-feira.
Na terça-feira, ela teve uma leve convulsão durante a manhã em casa. Passou, e eu a levei para o trabalho comigo. À tarde, ela foi para a escola. Ela estava melhor, então a levei à escola. Avisei a professora e a equipe sobre a situação, informando que, caso ela não se sentisse bem, era para me ligarem. Eu imaginei que, ao ir para a escola, ela se distraísse e não tivesse novas convulsões.
Mas a equipe rapidamente notou que ela não estava bem; ela começou a convulsionar, e eles prestaram os primeiros socorros, colocando-a na van e levando-a imediatamente para o pronto-socorro. Em questão de minutos, até porque é próximo. Eles a deixaram comigo no pronto-socorro, e ela já foi direto para a sala de emergência. Eu fui junto, e o médico perguntou o que tinha acontecido.
“Eu relatei que ela teve uma convulsão um dia antes, teve uma convulsão pela manhã na terça-feira e começou a convulsionar na escola, e que a equipe a trouxe até o pronto-socorro. “Ele, sem olhar, sem tocar, e ela não passou pela triagem.”
(Ele não olhou para ela, não se aproximou; estava no computador resolvendo a situação de outro paciente. Ele simplesmente pediu para as técnicas de enfermagem aplicarem um diazepam nela, que era o procedimento padrão após uma convulsão, quando a criança está se estabilizando. As meninas demoraram para encontrar uma veia, mas conseguiram aplicar a medicação, e ela continuou se debatendo e gritando. Normalmente, depois da convulsão, ela ficava tranquila, mas ela estava gritando e totalmente gelada. Ela chegou ao pronto-socorro com as unhas azuis. Ela não estava roxa, estava azul.
As meninas conseguiram achar uma veia, administraram a medicação no soro, tiraram-na da maca e colocaram-na no oxigênio. Ela ficou no oxigênio, mas se debatendo e gritando. Então, ele disse: “Dê mais dois diazepans para ela”, para ver se ela se acalma. Então, foram aplicados mais dois, e ela deu uma acalmada, mas continuou se debatendo e gritando, ficando roxa. Eu entrei no pronto-socorro, era por volta das 3h20, e ela não parava.
Então, ele disse: “Mãe, ela deve estar assim porque está longe do ambiente familiar. Vou dar alta para você, mas precisa comprar a carbamazepina, pois ela estava sem a medicação, para levar para casa”.”Ele me deu o papel da alta, mas, infelizmente, eu deixei lá, na hora do sufoco. Ele prescreveu a medicação e deu alta para ela. Eu disse: “Doutor, não posso ir embora com minha filha. Ela está péssima. Olha, ela não está bem. E sem a medicação, tenho medo que aconteça alguma coisa em casa.” Eu disse que a farmácia básica já estava fechada. Nas farmácias da região, não consegui comprar a carbamazepina da última vez. Então, tenho medo de ir embora com ela assim.
Ele então disse: “Ah, então vamos deixá-la passar a noite aqui. Eu libero ela amanhã de manhã.” E ela continuava se debatendo e gritando. Mas em nenhum momento ele se aproximou dela. E, com muito esforço, minha filha, que era autista e não verbal, pediu água. Quando ela me pediu água, pedi à enfermeira. A enfermeira não consultou o médico sobre se podia ou não dar água. Eu disse que ela queria água. Aí a moça foi pegar um copo de água.
Demorou, demorou, e ela ficou sufocada ali. Eu tomei a iniciativa, saí correndo da sala de emergência, fui até a recepção, peguei um copo, porque dentro da sala de emergência não havia copo. Fui até a pia, peguei um pouco de água e dei para ela. Nesse momento, a enfermeira chegou com um copo cheio de água. Eu disse: “Ai, moça, eu já peguei.” Aí dei a água para ela. Quando a dei, parece que ela se aliviou um pouco. Ela estava roxa, o lábio ficou branco e, de repente, ela apagou.
A enfermeira gritou: “Doutor, doutor, venha aqui!” Ele estava a poucos metros de nós mexendo no computador. Quando ele veio, viu que não havia mais nada escrito na tela de batimento; ela estava se debatendo muito, e ele estava a poucos metros de nós. A enfermeira chamou e, quando ele viu, disse: “Tirem a mãe da sala! Tirem a mãe daqui!” Outra enfermeira que chegou em seguida, porque ele gritou os nomes, disse: “Mãe, mãe, vamos sair, precisamos ver o que está acontecendo.” Então, me tiraram da sala. Eu saí, mas vi minha filha apagar. Depois que me retiraram, minha outra filha já estava lá para me atender, e eu não consegui ligar para ninguém, fiquei muito nervosa.
Depois de um tempo, eles me chamaram. Minha filha e minha cunhada já estavam lá. O médico me chamou e perguntou: “Mãe, ela comeu alguma coisa aqui? Você deu algo para ela?” Eu respondi que não, que ela nem se alimentou direito naquele dia. A única coisa que fiz foi dar água quando ela pediu. A enfermeira viu, até pedi para ela trazer água, mas eu fui buscar. A única coisa que dei foram uns pinguinhos de água, porque ela nem tinha força para beber.
Ele então disse: “Ah, mãe, então ela broncoaspirou, mas vomitou também.” Ela tinha comido muito pouco naquele dia e no anterior. Pouco tempo depois, ele veio com o atestado de óbito e me deu a notícia de que ela havia falecido às 6h30. Quando ele me deu a notícia, já eram mais de 7 horas. Estou fazendo essa reclamação porque sei que minha filha não vai voltar. Sei que ela está bem agora, mas ela sofreu. Ela ficou 3h30 agonizando e eu não tive atenção do médico, que estava a poucos metros dela. Ele estava na mesma sala, mexendo no computador o tempo todo porque tinha que entregar o plantão.
Estou muito abalada com a morte da minha filha, mas também estou muito abalada com o episódio de desatenção. Se minha filha tivesse recebido a atenção devida e fosse socorrida, e mesmo assim falecesse, ao menos poderia dizer que era o dia dela e que os médicos tentaram, com as ferramentas que tinham, mas não foi assim.
Não desejo a ninguém o que passei, e nenhum ser humano merece ser tratado como minha filha foi tratada. Ninguém merece o tratamento que minha filha recebeu, porque, ao entrar em um pronto-socorro, a pessoa deve ter atendimento, independentemente de quem seja. Estou muito indignada pela perda. Foi assim que aconteceu. Este é o meu relato.”
Fonte: Guara News
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