MP aponta irregularidades no Plano Diretor de Guaratuba

Falta de participação social, desrespeito às unidades de conservação e à legislação ambiental, ausência de um projeto de lei e até erros que podem gerar enriquecimento ilícito de loteadores.
Estes são alguns pontos verificados pelo Ministério Público Estadual na revisão do Plano Diretor de Guaratuba. A pedido do promotor de Justiça Élcio Sartori, da 2º Promotoria de Guaratuba e pela Promotoria do Meio Ambiente, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo (Caop-MAHU), de Curitiba, elaborou um estudo detalhado com base nos documentos disponibilizados pela Prefeitura. O diagnóstico foi apresentado na semana retrasada ao prefeito Roberto Justus, secretários e a equipe envolvida no processo de revisão.
Diagnóstico ficou pronto em 2015
A revisão do Plano Diretor de Guaratuba começou em 2014, logo após a aprovação do atual Plano Diretor pelo Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral. O plano vigente é de 2005 e teve algumas alterações feitas para atender o setor imobiliário entre 2009 e 2012.
Logo que o governador Beto Richa assinou o decreto de homologação, a Prefeitura contratou a empresa Tese Tecnologia em Sistemas Espaciais – a mesma que fez a polêmica revisão da planta genérica de valores do IPTU – para elaborar um diagnóstico atualizado que serviria de base para a revisão do plano diretor, obrigatória a cada 10 anos.
O trabalho foi concluído em julho de 2015 e entregue em dezembro daquele ano. A Prefeitura começou, então, sem divulgar à população, a realizar diversas reuniões setoriais. Em dezembro de 2016 abriu uma consulta pública pela Internet que deveria durar 30 dias, mas continuou nos primeiros meses de 2017.

A atual administração, do prefeito Roberto Justus, voltou a fazer reuniões setoriais, ainda sem divulgar a toda população, fechadas. Nas últimas reuniões, o foco foi a tentativa de convencer os órgãos de fiscalização ambiental – IAP, Ministério Público, ICMbio – da viabilidade de legalização de alguns loteamentos que estão em áreas de proteção.
Foram justamente estes dois pontos que mais chamaram a atenção do Ministério Público: os conflitos com a legislação ambiental e a falta de ampla participação popular na elaboração do novo plano diretor.
O relatório do Caop-Mahu começa criticando a ausência do Conselho Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente na elaboração e discussão do plano. Também critica o fato de a maioria das reuniões terem sido realizadas na Prefeitura, praticamente sem divulgação: “11 das 12 reuniões foram realizadas no mesmo local (auditório da Prefeitura, no centro da cidade) e apenas um foi agendado para a região próximas às comunidades rurais (cujo endereço, por sinal, nem mesmo se achava indicado na agenda de reuniões disponibilizadas)”.
“Conclui-se pela falta de transparência e publicidade no processo de revisão (…) em afronta à diretriz de gestão democrática … da Constituição e do Estatuto da Cidade”, aponta o Caop.
O relatório também critica a falta dos projetos das leis que compõem o Plano Diretor (ou anteprojetos) para que a população possa analisar a proposta com informações mais concretas. Outra irregularidade, segundo o MP, é a criação Zona Especial de Serviços Rurais que mistura imóveis rurais com atividades industriais. O Caop aponta diversas inconsistências, falta de clareza de algumas propostas que são importantes e detalhamento excessivo em outras (como o mirabolante projeto de ponte cênica na baía de Guaratuba).
“Enriquecimento ilícito”
Erros mais graves, na visão do Caop, são os mapas do estudo da prefeitura que mostra ruas e bairros inteiros que não existem de fato. Isto aparece com clareza no mapa de zoneamento proposto para as Zonas Especiais de Interesse Social. “Tal expediente, além de tecnicamente equivocado, tende a induzir a população a erro”, analisa o MP. “Ainda pode ser erroneamente utilizado para dispensar loteadores da obrigação de produzir e custear a infraestrutura básica de seus empreendimentos … gerando enriquecimento ilícito a esses particulares”, denuncia.
O Caop também denuncia que o zoneamento proposta reduz a área urbana destinada ás Zonas Especiais de Interesse Social e promove a sua “interiorização”, ou seja, joga estas áreas que deveriam ser destinadas à redução do déficit habitacional para longe da orla e dos bairros consolidados e ainda as coloca terras com remanescentes de Mata Atlântica e na zona de amortecimento do Parque do Boguaçu, onde não pode ser construído.
Invasão do Parque do Boguaçu

O relatório também denuncia que o estudo da Prefeitura invade unidades de conservação, ao incluir no zoneamento urbano terras do Parque Estadual do Boguaçu e da Área de Proteção Ambiental de Guaratuba. Uma projeção feita pelo IAP mostra bem isso.
O Caop também questiona alguns mecanismos da proposta da Prefeitura que “carecem de justificativa de interesse público”. É o caso apontado da criação de um “Banco de Terrenos” que, segundo o Caop, permitiria particulares trocarem seus terrenos em áreas que não podem ser edificadas por terrenos edificáveis: “A ideia de permutar imóveis públicos hábeis à edificação por áreas não edificáveis de particulares acha-se eivada de intolerável ilegalidade e franca violação aos princípios da Administração Pública”. O Caop também critica o modelo adotado para outorga onerosa e outros pontos que interessam sobretudo aos grandes proprietários de terrenos, aos construtores e ao setor imobiliário.
Ao final, o Caop apresenta algumas sugestões à 2º Promotoria de Justiça. Em resumo, verificar a transparência, a publicidade e participação social na elaboração do novo plano diretor, cobrar a elaboração e apresentação das leis que devem compor o plano e as mudanças necessárias para obedecer a legislação ambiental, agrária, do Estatuto da Cidade. À prefeitura, o relatório mapeia alumas possíveis irregularidades, ilegalidades e riscos de deixar o interesse público para se submeter a interesse de particulares.
O relatório é assinado pelo coordenador do Caop-Mahu, procurador Alberto Vellozo Machado, pelo promotor Alexandre Gaio, pelo engenheiro florestal Alberto Barcellos, pela arquiteta e urbanista Laura Esmanhotto Bertol, pelo engenheiro florestal Paulo Afonso Conte e pelo assessor jurídico Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino.
Para saber mais:
Acesse aqui o Diagnóstico Consolidado
Volume 1 (310 páginas – 17MB)
Volume 2 (260 págs 10MB).